Eu nem sonhava que iria trabalhar com essas pessoas, mas de alguma forma elas sempre me emocionaram. Mara Gabrilli é psicóloga, publicitária e vereadora da cidade de São Paulo. Com 42 anos, trava uma luta incansável em favor da acessibilidade de deficientes físicos. Fundou a organização não-governamental “Projeto Próximo Passo”, transformada atualmente no “Instituto Mara Gabrilli”.
Mara ficou tetraplégica no ano de 1984, quando sofreu um grave acidente de automóvel. Sua própria dificuldade de locomoção levou-a a lutar por melhores condições de acessibilidade para os deficientes físicos. No ano de 2005 foi convidada pelo então prefeito de São Paulo, José Serra, hoje governador do Estado de São Paulo, para assumir a recém criada Secretaria da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (SEPED) do município.
Em 2007 assumiu uma cadeira de vereadora na Câmara Municipal de São Paulo. Seu trabalho em favor dos deficientes físicos rendeu-lhe vários prêmios como: “Um dos 100 brasileiros mais influentes em 2008” conferido pela Revista Isto É e “Um dos Paulistanos que brilharam em 2007”, este conferido pela revista Veja São Paulo.
Nesta entrevista, Mara Gabrilli nos fala um pouco da sua vida profissional, dos planos futuros na política e da vida pessoal com os cuidados especiais que tem com ela mesma no dia-a-dia.
A sua formação em psicologia e publicidade é anterior ao acidente?
Sim, mas só depois do acidente que resolvi fazer residência em psicologia, e clinicar não fazia parte dos meus planos. Eu cursei a faculdade de psicologia fiz bacharelado, mas não pensava em clinicar. Foi depois do acidente, quando comecei a ficar um pouquinho melhor, que me deu essa vontade de trabalhar, de fazer alguma coisa.
Por que você escolheu a psicologia?
Foi muito interessante. Eu já fazia a faculdade de publicidade, direção de arte, criação e tal, e aí tranquei a faculdade e fui morar na Itália. E desde o cedo comecei a trabalhar. Eu cuidava de um senhor de 90 anos, na verdade ele não precisava de cuidados. Ele não saía de casa porque o prédio dele não tinha elevador e eu ficava lá fazendo companhia. Ele era muito ranzinza, não me deixava fazer nada. Eu queria ler o jornal e ele não deixava, não queria que mudasse nada na casa dele, ele era muito rígido, muito duro e muito distante. Eu fiquei um ano e meio com esse senhor.
Ele se transformou completamente. No final, parecia meu avô. Ele me entregou a chave do cofre, os filhos tinham que pedir para mim, para mexer em alguma coisa dele. Ele me ligava para eu ir para casa dele porque estava com saudades. Sabe, eu assisti um senhor de 90 anos se transformar claramente! Ele se transformou tanto – sabe – no jeito de ser. Ele mudou a estrutura da vida dele, chamava meus amigos para freqüentarem a casa dele, para ele ter companhia, mudou os assuntos, mudou tudo. Eu fiquei tão impressionada com a possibilidade de mudança do ser humano que me deu vontade de fazer psicologia.
Antes do acidente você já pensava em trabalhar com a responsabilidade social?
Sempre fez parte da minha vida, inclusive não só a questão da responsabilidade social, mas das pessoas com deficiência, um trabalho que eu já fazia muito antes de sofrer o acidente. Então, este trabalho me trouxe mais força, além de eu conhecer pessoas e ter mais amigos. Para você ter uma ideia, quando comecei a fazer a faculdade de psicologia, no primeiro ano em psicologia educacional, eles exigem que você faça um estágio numa escola.
Eu fui a única da classe que escolheu uma escola especial, escola de crianças com deficiência intelectual. Quando eu era publicitária em um determinado evento, consegui com a Deputada Célia Leão, que é cadeirante, levar as pessoas com deficiência para o evento. Eu nem sonhava que iria trabalhar com essas pessoas, mas de alguma forma elas sempre me emocionaram, não no sentido piegas, mas sempre no sentido de enxergar a potencialidade e as possibilidades.
Você viu na política a maneira mais fácil de fazer algo em prol dos deficientes?
Acho que faz parte de um processo. Depois de alguns trabalhos pontuais, chegou uma hora em que resolvi fundar uma organização, que é o Instituto Mara Gabrilli, que já tem 12 anos. Aí eu comecei a trabalhar através do instituto, para conseguir assegurar a qualidade de vida das pessoas.
Comecei com pesquisas científicas – que é um foco que trabalhamos até hoje – trabalhamos também com esporte e cultura. Aí chegou uma hora que tive vontade de ampliar mais o trabalho, de sair da questão do terceiro setor, que eu continuo fazendo, e ampliar. Por exemplo: como é que eu ia ajudar um cadeirante que queria ir a determinado lugar e as calçadas da frente da casa dele e demais ruas em que precisa passar não tinham condições? Eu me sentia totalmente impossibilitada de ajudar. Resolvi me candidatar, pensando em ajudar a cidade mesmo, e me imbuí do desejo de fazer, de transformar, e foi maravilhoso, porque, com certeza – você ter um cargo público possibilita fazer muita coisa.
Você teve apoio financeiro para constituir o Instituto Mara Gabrilli?
Na verdade eu fiz todo o processo de inscrição sem apoio financeiro nenhum, e fui trabalhando para levantar recursos. Fui fazendo eventos, algo que sempre fez parte do meu perfil, sou uma “eventista” nata [risos]. E assim fui fazendo eventos para levantar recursos para pesquisas, esportes… Era a ONG que fazia os eventos, até que foi se tornando mais profissional, e fui arrumando patrocínios.
E na política, você teve alguma vantagem em função de ser tetraplégica, ou sofreu como qualquer outro político?
Eu acho que a primeira questão que conta, é a forma como eu abordo a minha própria ideologia. Eu sempre procurei usar isto da melhor forma possível, e acho que conta positivamente o meu trabalho como secretária ou vereadora que trabalha focada nas pessoas com deficiência. Eu tenho uma deficiência considerável, então isso realmente acaba contando pontos positivos pra mim.
O fato de eu ocupar um cargo destes, já dá impressão de uma tetra que deu certo. Apesar de ainda ter algumas barreiras de atitudes, porque tem pessoas que não sabem ainda como lidar, por falta de convivência. Então se afastam, ficam distantes, e cabe a mim fazer essa aproximação.
Como estão os trabalhos do Instituto Mara Gabrilli, e como está o andamento da pesquisa da cura da paralisia?
Continuamos fazendo investimentos em profissionais na área de pesquisa, no Brasil e em outros países. Estamos fazendo uma manutenção. Apesar de toda a luta que tivemos para conseguir aprovar a lei de pesquisa com células-tronco embrionárias, continuamos trabalhando.
No esporte, temos 85 atletas que o Instituto está apoiando de uma forma ou de outra. Neste ano especificamente, estamos entrando com vários projetos culturais. O Instituto está produzindo um livro chamado “Derrubando Barreiras”, que é um livro de entrevistas. E também estamos fazendo uma cartilha de equipamentos culturais da cidade de São Paulo.
Com tantos resultados positivos no seu trabalho como vereadora, você é procurada por outras cidades para ajudar com seus projetos?
Sabe, eu fico muito feliz! São inúmeros os municípios que vêm aqui na câmara para levar informação dos projetos que a prefeitura desenvolve, e o respeito que emana do Brasil inteiro. Isso é curioso, porque as pessoas me procuram sem a preocupação de que eu sou vereadora do município, vêm procurar a pessoa que tem a mobilidade reduzida, a pessoa com deficiência, porque querem informação, serviço e orientação. Você vai no meu gabinete e tem gente de todo o estado de São Paulo, e de fora do estado também. E isso é muito bacana, é a aceitação do meu trabalho.
E o futuro político, podemos esperar algum outro cargo? De deputada estadual ou federal, por exemplo?
Vou te falar a minha linha de raciocínio. Eu não vinha almejando um cargo político, me candidatei porque realmente achei que eu ia poder fazer mais. E estou avaliando, onde vou poder fazer mais, porque se eu me candidatar a deputada estadual vou tirar o meu trabalho da cidade de São Paulo, porque eu vou fazer mais para outros municípios. Mas será que vou conseguir fazer mais do que para São Paulo?
Eu tenho esse medo, e a mesma coisa para deputada federal – quanto que eu conseguiria fazer mais? Eu não quero abandonar São Paulo, porque aqui as coisas têm facilidade para acontecer, e a cidade vira um parâmetro de governo, uma referência. Então, eu penso que vale mais a pena ficar aqui e concretizar o meu trabalho do que sair.
Com toda esta correria, sabemos que você trabalha muito, como fica seu tempo na vida pessoal?
Ah, então! Eu dou um jeitinho! [risos]. Porque tem dois lados aí, tem a questão dos meus exercícios físicos, que fazem parte da minha vida pessoal, eu faço de segunda a sexta feira e, é muito puxado. E o namorado e a família acabam ficando para depois, mas eu acabo sempre dando um jeitinho.
E você tem algum cuidado especial com a beleza?
Eu tenho sim, um cuidado especial com atenção a saúde do meu corpo, das minhas pernas, dos meus braços. É uma vaidade que vem sempre de dentro – antes do acidente já tinha uma dedicação, mas depois do acidente, esta vaidade passou a ser muito maior, a identificação com meu corpo. Eu passei a ter uma atenção muito maior, e na verdade, eu procuro lidar com a beleza de todos os órgãos do meu corpo.
Qual sua filosofia de vida?
Eu vou me adequando aos momentos da vida. E isso sempre fez com que eu soubesse o que cabe a mim. Eu nunca outorguei essa função para ninguém, sou responsável pela minha própria felicidade.
Você é uma Plena Mulher?
Ah! Claro que me sinto uma plena mulher! Agora, tem momentos que falta uma coisinha aqui, outra ali… Mas ter osex appeal é ser empre uma Plena Mulher!
Em 2014, Mara Gabrilli foi reeleita com 155.143 votos e assumiu o compromisso de continuar trabalhando pela igualdade de direitos entre todas as pessoas.
Por: Mariliz Consul – Diretora de Redação – E-mail: [email protected]
CONTINUE LENDO →