Quando uma relação acaba, o que acaba junto com ela? Fato é que muitas perdas marcam uma separação: o divórcio não significa somente deixar de fazer parte da rotina da pessoa que se amou por tanto tempo, mas também abandonar uma versão de si mesmo que seguirá viva apenas nas lembranças. É como morrer, no sentido metafórico, para dar lugar a um novo eu. No romance Azul-ninguém, escrito por Bárbara Saddy, a protagonista chega à conclusão de que o fim de um longo casamento, embora dolorido, pode abrir portas para novos capítulos na história de cada um. 

Psicóloga à beira dos quarenta anos, a personagem deste livro também se chama Bárbara, assim como a autora. Após dedicar mais de metade da vida ao casamento e ao filho, hoje adolescente, ela decide se separar do homem com quem dividiu todos os dias nas últimas duas décadas. É quando inicia uma jornada de redescoberta em meio ao luto pelo relacionamento, revisitando momentos e fragmentos da própria identidade que foram abandonados pelo caminho. Nessa travessia pessoal, sua missão, a partir de agora, é reinventar-se para encontrar outras referências e formas de viver. 

Uma separação é uma guerra de muitos mortos. E mesmo quando não é uma guerra, há muitos mortos. Me sinto tendo empurrado aquele último dominó de uma longuíssima fileira que levei décadas cuidadosamente construindo. Um simples toque e, uma por uma, lá se vão todas as peças ao chão. Uma decisão que se estende infinitamente para além de si mesma, numa consequência atrás da outra. Numa sequência de pequenos anúncios fúnebres. (Azul-ninguém, p. 16) 

Narrada de forma poética e simples, com passagens e diálogos curtos que prendem a atenção de quem lê, a obra também aborda a vivência da protagonista na área da psicologia infantil. Várias cenas se passam no consultório, onde ela atende a crianças e adolescentes que são atravessados, assim como o seu filho, pelos términos e desentendimentos nas relações dos pais. Além disso, temas como maternidade e expectativas sobre o corpo e o comportamento das mulheres ganham espaço entre os conflitos, quando ela questiona os limites e regras sociais pelas quais se orientava até então. 

Mas não é apenas o nome que a personagem e Bárbara Saddy compartilham. Apesar de ser uma ficção, o enredo se conecta à trajetória da escritora, que também é psicóloga e divorciada. Alguns anos atrás, ela sentiu a necessidade de escrever para elaborar esta experiência e entrar em contato com as próprias emoções enquanto passava por uma separação. Os desabafos formaram a base para esta história, na forma de relato em primeira pessoa de um desfecho que inaugura infinitos recomeços – tanto para a protagonista quanto para a autora. 

Com um estilo de escrita que lembra as narrativas de Annie Ernaux e Carla Madeira, Azul-ninguém vai ressoar com todas as pessoas que já enfrentaram a dor de uma perda afetiva e tiveram que se reerguer. Mais do que uma trama sobre luto, no entanto, a obra é um convite para os leitores enxergarem que a felicidade pode ser encontrada em diversas possibilidades ao longo da vida, mesmo nos momentos mais difíceis. 

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