Neste domingo (11/08), a influenciadora digital Isabel Veloso, conhecida por dividir sua rotina como paciente de câncer em cuidados paliativos, anunciou que está grávida. A jovem de 18 anos tem Linfoma de Hodgkin em estágio avançado e, a partir de orientação médica especializada, atualmente passa por terapias de suporte para controle de sintomas decorrentes da doença, sem a necessidade de passar por quimioterapia e radioterapia, modalidades que não oferecem respostas positivas no caso dela.
A notícia gerou uma onda de comentários nas redes sociais com dúvidas sobre preservação da fertilidade e segurança de uma gestação diante de uma realidade como a de Isabel. “Um dos maiores tabus entre mulheres em idade reprodutiva que tiveram ou estão com câncer é a gravidez. É possível ter uma gestação após o tratamento? E durante? Por muito tempo, mulheres jovens que sofreram com a doença eram desencorajadas a engravidar pela crença de aumentar a possibilidade de remissão para quem já havia enfrentado o tumor e, para quem ainda convive com o câncer, o medo se dá por conta da agressividade de alguns tratamentos”, explica Daniel Gimenes, oncologista.
Segundo o médico, estudos relevantes com respaldo científico vêm desmistificando essas crenças, ressaltando que o desejo de engravidar deve ser considerado como um componente crucial no plano de cuidados de mulheres jovens com câncer em geral. “O diagnóstico de um tumor gera sempre aquele pessimismo inicial. Mas atualmente não é incomum tratarmos mulheres que ficaram gestantes durante o tratamento, ou descobriram o câncer estando grávidas. É claro que não podemos nos iludir, cada caso é único e para cada mulher há possibilidades diferentes, que devem ser avaliadas cuidadosamente, entendendo todos os aspectos que tangem a segurança para a mãe e o bebê. Mas o câncer não deve ser entendido como fator que impossibilita a maternidade”, enfatiza.
Fertilidade na Oncologia
Daniel Gimenes reforça que até o momento não existem evidências que relacionem malformações congênitas nos bebês a efeitos de tratamentos contra o câncer previamente realizados pelas mães, outro dado relevante ao debate. Contudo, alguns tratamentos indicados para combate a diferentes tipos de tumores podem afetar de alguma forma a fertilidade, provocando sintomas como menopausa precoce e dificultando a gravidez. No entanto, o maior entrave ainda está no impacto psicológico que este risco gera entre pacientes.
“É muito importante salientar que a questão da fertilidade precisa ser conversada antes, durante e após todo o processo de combate ao câncer entre médico e paciente. Com algumas delas, isso acontecerá naturalmente e outras precisarão recorrer à fertilização em laboratório. De toda forma, a gravidez não aumenta a reincidência ou surgimento de um novo câncer futuro. Este é um dos mitos sobre a doença que precisamos esclarecer”, ressalta.
Ele explica que 10% das mulheres com menos de 30 anos vão ter infertilidade após o tratamento do tumor. Já acima dos 40 anos, o problema pode afetar cerca de ⅓ das pacientes. A falta de conhecimento é comum e uma das principais barreiras para as mulheres que buscam ajuda, já que a chamada oncofertilidade ainda é uma área nova e pouco conhecida dentro da medicina. “A confiança com os médicos é fundamental nesses casos. Muitas sobreviventes do câncer têm a fertilidade como uma das principais preocupações e são mal informadas, acreditando que não poderão mais engravidar, o que nem sempre é verdade”, diz.
De acordo com o oncologista, o mais importante é buscar orientação da equipe multidisciplinar responsável pelo tratamento. “Fale sempre com o seu médico. Nos casos em que a fertilidade é recuperada e as condições de saúde da paciente se mostram adequadas, é recomendado tentar a gravidez de maneira natural. Em alguns casos, consultar um especialista em fertilidade também pode ser necessário durante o processo”, explica.
Cuidado integral e integrado
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o Brasil deve registrar 704 mil novos casos de câncer em 2023, sendo que pouco mais da metade deles afetarão o gênero feminino. Além disso, levantamentos globais vêm apontando para o aumento ano a ano dos casos de câncer. E é diante deste cenário desafiador para a medicina que uma outra realidade se apresenta: a progressão contínua dos diagnósticos aumenta também os índices entre pessoas jovens. De acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), considerando tumores de mama, os mais comuns entre as mulheres excluindo o câncer de pele não melanoma, houve aumento de diagnóstico deste tipo de tumor em pacientes com menos de 35 anos. Desde 2020 a incidência da doença passou de 2% para 5% nessa faixa etária.
E essa não é uma realidade exclusiva do nosso país: a Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que em torno de 7% dos casos de câncer de mama atingem mulheres abaixo dos 40 anos no mundo. Não à toa uma nova área médica que busca preservar a fertilidade de pessoas que vivem ou viveram com a doença cresce no país e no mundo. Trata-se da oncofertilidade.
A especialidade conecta a oncologia à medicina reprodutiva, com o objetivo de preservar a fertilidade de pacientes, como destaca Daniel Gimenes. “No Brasil, cerca de 19% dos casos novos de câncer em mulheres ocorrem em pacientes de até 44 anos de idade e 21% até os 49 anos, período considerado fértil para cerca de 90% das mulheres. Na faixa etária de 20 a 39 anos, alguns dos tumores mais incidentes são câncer de mama, colo uterino e ovário, todos os que podem afetar a fertilidade”.
Homens também podem sofrer em tratamentos de câncer, por exemplo, na próstata e testículos, mas, em geral, a preocupação e as consequências na fertilidade tendem a ser maiores em relação às mulheres, inclusive por conta da gestação.
“Sabemos que todos os pacientes em idade reprodutiva podem ter a sua fertilidade comprometida, seja pelo tratamento cirúrgico, por tumor de ovário, de testículos ou através da quimioterapia em si. Qualquer tratamento oncológico pode influenciar na incidência de infertilidade do paciente”, afirma o oncologista.
Tipos de Tratamento
Há diversos tipos de tratamentos para preservar a fertilidade. Um deles é a criopreservação de embriões, que consiste na conservação de células por meio de processo de resfriamento e manutenção a cerca de 190°C negativos. Em temperaturas tão baixas, não há atividade metabólica e as células encontram-se em estado de suspensão de suas reações químicas. “O princípio básico da criopreservação é o de manutenção da viabilidade e da função celular após o descongelamento. Neste método, há a criopreservação de embriões”, explica Daniel Gimenes.
O método citado, popularmente chamado de congelamento de embrião, tem se tornado um aliado para as mulheres que foram diagnosticadas com câncer, mas ainda sonham em ser mãe após o tratamento.
Outro caso é a criopreservação de ovócitos, que dará origem ao óvulo feminino. A técnica, conforme explica a especialista, tem a vantagem de eliminar a necessidade de um parceiro ou sêmen de doador, o que promove a autonomia reprodutiva feminina.
Uma outra alternativa, ainda experimental, seria o transplante de tecido ovariano. E há ainda a transposição do ovário, que desloca os ovários do campo de incidência da radioterapia, usualmente acima da cavidade pélvica. Este método é utilizado nos casos, por exemplo, de câncer de colo de útero.
De todos eles, o mais importante, destaca o médico, é mesmo que a mulher se informe e busque as principais alternativas para as suas condições, com médicos de confiança. “Fundamental é mesmo saber que o câncer não é mais necessariamente um impeditivo no destino das mulheres que querem engravidar”, finaliza Daniel Gimenes.
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