Estudo da Associação Americana de Psicologia aponta que o esforço mental está frequentemente associado a sentimentos desagradáveis, como frustração, irritação e estresse. Ainda que as atividades cognitivamente desafiadoras sejam bem aceitas, podem ser uma experiência estressante. Os resultados revelam que quanto maior o esforço mental, maior o desconforto experimentado. Na visão de Carlos Manoel Rodrigues, professor de Psicologia, os resultados são particularmente relevantes para gestores e geram alerta sobre o modus operandi da vida moderna.

Confira entrevista, na íntegra:

Como os achados deste estudo podem ser aplicados para melhor compreendermos a base neurológica do esforço mental e o desconforto associado?

CR: A partir deste estudo, algumas frentes se apresentam, como para identificar áreas do cérebro envolvidas na percepção e resposta ao esforço mental, como o córtex pré-frontal, associado ao controle executivo e tomada de decisões. É importante examinar os mecanismos neuroquímicos, como a liberação de dopamina e outros neurotransmissores, que podem mediar a experiência aversiva do esforço mental, bem como investigar a conectividade entre diferentes regiões cerebrais durante tarefas que exigem esforço mental para entender como a coordenação neural contribui para a percepção de desconforto.

Quais estratégias os especialistas podem usar para ajudar indivíduos a lidar com os sentimentos desagradáveis associados ao esforço mental?

CR: Baseando-se nos achados do estudo, psicólogos e neuropsicólogos podem utilizar diversas estratégias para ajudar indivíduos a lidar com os sentimentos desagradáveis associados ao esforço mental. Técnicas de treino cognitivo, de regulação emocional e de mindfulness, podem ajudar os indivíduos a gerenciar melhor os sentimentos de desconforto. 

A divisão de tarefas complexas em partes menores e mais manejáveis também pode reduzir a carga percebida de esforço. Oferecer feedback positivo durante tarefas difíceis pode ajudar a reduzir o afeto negativo associado ao esforço. A criação de ambientes de apoio que promovam suporte social e encorajamento pode diminuir a percepção de esforço aversivo.

De que forma a natureza aversiva do esforço mental pode afetar o desenvolvimento cognitivo a longo prazo e a saúde mental dos indivíduos?

CR: A natureza aversiva do esforço mental pode afetar o desenvolvimento cognitivo a longo prazo e a saúde mental dos indivíduos de várias maneiras. A percepção de esforço como aversivo pode levar à evitação de atividades cognitivamente desafiadoras, limitando o desenvolvimento de habilidades cognitivas ao longo do tempo. Além disso, experiências repetidas de esforço mental aversivo podem contribuir para o desenvolvimento de estresse crônico, ansiedade e burnout, especialmente em contextos acadêmicos ou profissionais exigentes.

Qual é o papel das experiências educacionais na formação da tolerância ao esforço mental?

CR: As experiências educacionais precoces desempenham papel importante na formação da tolerância ao esforço mental. Já experiências que incentivam a resolução de problemas e a persistência diante de desafios podem aumentar a tolerância ao esforço mental. Educadores que modelam atitudes em relação ao esforço e oferecem feedback construtivo podem ajudar os alunos a desenvolver uma perspectiva mais positiva em relação ao esforço mental. Ambientes educacionais que proporcionam uma variedade de atividades estimulantes podem aumentar a capacidade dos indivíduos de lidar com o esforço mental.

Como a pesquisa pode informar as práticas clínicas, especialmente no tratamento de condições como ansiedade e estresse que podem ser exacerbadas pelo esforço mental?

CR: O estudo pode informar as práticas clínicas de várias maneiras, especialmente no tratamento de condições como ansiedade e estresse que podem ser exacerbadas pelo esforço mental. Usar ferramentas para avaliar e monitorar a carga de trabalho mental e o desconforto em pacientes com ansiedade e estresse pode ser útil. Desenvolver intervenções específicas para ajudar pacientes a gerenciar o esforço mental aversivo, como treinamento de habilidades de enfrentamento e técnicas de redução de estresse, é essencial. 

Além disso, é importante considerar a percepção de esforço mental aversivo ao planejar tratamentos, ajustando a intensidade e complexidade das tarefas cognitivas conforme necessário para evitar exacerbações de ansiedade e estresse. Ensinar estratégias de autocuidado e técnicas de recuperação pode ajudar os indivíduos a se recuperarem após períodos de intenso esforço mental, promovendo uma abordagem holística e individualizada ao tratamento.

Como ficam, na prática, as condutas a partir dos resultados revelados? E a vida nas redes sociais?

CR: Em termos práticos, podem ser aplicados para compreender como as pessoas lidam com a análise de informações em contextos como redes sociais. A forte correlação entre esforço mental e desconforto sugere que a análise de informações complexas, como a verificação de fatos, a avaliação crítica de conteúdo e a filtragem de desinformação, pode ser percebida como aversiva e, portanto, evitada por muitos usuários.

Nas redes sociais, onde o fluxo constante de informações pode ser avassalador, a experiência aversiva do esforço mental pode levar usuários a adotarem comportamentos de consumo de informação mais passivos e menos críticos. Eles podem aceitar conteúdos superficiais ou alinhados a suas crenças preexistentes, evitando o esforço de análise profunda que poderia gerar desconforto. Isso pode contribuir para a disseminação de desinformação e a formação de bolhas de filtro, onde os usuários são expostos apenas a conteúdos que reforçam suas opiniões.

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