O mouse e a aranha. A secretária do presidente já havia convocado todos os diretores para a reunião que decidiria a taxa de juros do cartão de crédito do nosso banco para os próximos meses.

Juros tradicionalmente escorchantes. Lucrativos para a nossa instituição, mas terríveis contra os clientes se é que posso tratar como cliente alguém que vilipendiamos com essa voracidade de dois dígitos apontados sempre para o alto. Hoje eu seria o último a votar, porém, estava tranquilo pois nunca, em nenhuma outra ocasião, precisamos desempatar qualquer votação: as decisões sempre foram amistosas e unânimes.

E assim, distraído, lia ainda alguns relatórios em meu PC quando uma aranhazinha papa-moscas apareceu do nada sobre a tela do monitor. Caminhou sobre os ícones como se conhecesse o pacote “Office” e, de repente, demonstrou particular interesse pelo cursor que se mexia quando eu movimentava o mouse: predadora, viu na flechinha saborosa presa.

Nesse momento deixei de lado o meu orgulho e a minha arrogância de executivo e passei a brincar com a aranha movendo o mouse e, consequentemente, o cursor em sua volta, provocando nela reações desesperadas e incontroláveis como aquelas de um cliente quando vê o seu extrato mensal do cartão de crédito. A aranha saltava para cima da flecha tentando capturá-la e, a cada vez que arremetia, eu fazia com que a imagem virtual escapasse do seu bote. Ela então, ágil e ligeira, voltava-se para o alvo e de novo tentava apanhá-lo com suas garras assim como faz um banco para subjugar suas vítimas. E ficamos nisso um bom tempo até que ela se cansou da brincadeira, saltou para a borda do monitor e sumiu em busca de presas mais tolas.

Nesse momento dei pela hora e parti apressado para a sala de reuniões. Ocupei meu lugar e, logo em seguida, o presidente introduziu o tema e pediu a posição de cada um. E a votação andou rápida. Porém, pela primeira vez, houve igualdade de votos. Meus colegas olharam todos para mim aguardando minha decisão e percebi em cada rosto uma certa ironia, um risinho idiota, um pouco de “agora foda-se”. O presidente olhou-me angustiado. Eu então suspirei fundo, estufei o peito e decidi firme pelo viés de alta. Alívio e dispersão geral. Servil papa-moscas deixei a sala consciente de que milhões de mosquitinhos permaneceriam arruinados em nossa teia. E me senti diminuto, frágil e manipulável. Um mouse.

Agliberto Cerqueira
Publicitário pelo Instituto Metodista, aprendiz de farmácia na infância, executivo da indústria automobilística, diretor de agência de promoção e consultor na área de comunicação e marketing. Em 2006 publicou o livro de contos "O quá quá quá do cisne preto - Um passeio ao som do rádio". Quando não está em consultoria e nem pagando imposto, lê muito, escreve quando possível e toca violão.
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