Um estudo publicado recentemente apontou mais um fator que pode desencadear a diabetes tipo 2 no público infantil, além da obesidade. Segundo a pesquisa SARS-CoV-2 Infection and New-Onset Type 2 Diabetes Among Pediatric Patients, divulgado pelo JAMA Network Open, crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos infectadas com o coronavírus têm maior propensão a desenvolver a doença seis meses após o contágio, em comparação àquelas que tiveram qualquer outro tipo de infecção respiratória.
Os cientistas coletaram registros de saúde de mais de 600 mil crianças dos Estados Unidos, entre 10 e 19 anos, entre o período de janeiro de 2020 a dezembro de 2022, e os classificaram em dois grupos de avaliação: aquelas com infecção por coronavírus e outras com demais problemas respiratórios, como gripe e rinovírus.
“O vírus da covid-19 se conecta aos receptores da ECA-2, presentes em diversos órgãos e tecidos metabólicos essenciais presentes em órgãos como pâncreas, intestino delgado, rins, fígado e intestino. É possível que ele possa provocar diversas modificações no metabolismo da glicose, complicando a diabetes já existente ou até mesmo causando novos mecanismos de desenvolvimento da doença. Isso se dá pelo fato de que o vírus tem a capacidade de infectar seletivamente as células beta pancreáticas, causando a morte de algumas delas, reduzindo a capacidade de secreção de insulina, o que aumenta os riscos para a doença”, explica Alessandra Rascovski, endocrinologista.
Além disso, os pesquisadores também avaliaram um subgrupo infantil acima do peso ou obeso com base no índice de massa corporal – um fator de risco para a diabetes tipo 2 – e descobriram que a probabilidade era 100% maior de desenvolver a doença em relação aos seus pares. “O estudo traz a correlação dos pacientes que foram hospitalizados com covid e aumento das chances de desenvolverem diabetes tipo 2 durante a internação, ou que já tiveram a infecção e que tinham sobrepeso ou eram portadores de obesidade”, ressalta Alessandra.
Um dos pontos importantes que a médica chama a atenção é o fato de que nas internações, principalmente durante o quadro infeccioso, vários pacientes apresentam aumento da glicemia, ocasionada pelo estresse da infecção, o que deve ser avaliado como um cenário diferente do desenvolvimento da diabetes tipo 2.
A questão genética também pode ser um fator de influência no desenvolvimento da doença. “Existe um componente autoimune com suscetibilidade genética que pode aumentar o risco de desenvolver anticorpos contra células beta logo após o paciente contrair covid”, pontua.
A especialista reforça ainda que as observações do estudo estão em linha com outras pesquisas científicas que envolveram a investigação da condição de adultos infectados com SARS-CoV-2 e o desenvolvimento da diabetes tipo 2.
Avanço da obesidade: fator de preocupação
Para ela, o achado da pesquisa é preocupante, principalmente com o avanço da obesidade infantil no mundo e a continuidade da infecção por coronavírus. Somente no Brasil, de acordo com dados do Atlas Mundial da Obesidade 2024, da Federação Mundial de Obesidade, o país pode ter até 50% das crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos com obesidade ou sobrepeso em 2035.
“No período da pesquisa, estávamos vivendo no auge da pandemia, com crianças infectadas e, em paralelo, lidando com aumento da obesidade infantil, estimulado pela restrição de atividades físicas e alimentação inadequada por conta do isolamento, e também com a ausência de imunidade, gerada pela contaminação. É uma correlação que tem fundamento e precisa ser investigada mais a fundo”, ressalta a médica.
Entre os anos de 2019 e 2021, que abrange a pandemia de covid-19, o número de crianças e adolescentes com excesso de peso no Brasil subiu 6,08% no grupo infantil de até 5 anos. Já entre 10 e 18 anos, a alta foi de 17,2%, segundo levantamento do Observatório de Saúde na Infância da Fiocruz. Um ano depois, a situação seguiu crítica, com três vezes mais crianças com excesso de peso do que a média global.
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