Na semana passada, a imprensa brasileira divulgou resultados de um estudo inglês que avaliou o risco que os contraceptivos hormonais (pílula, DIU com hormônio e contraceptivos injetáveis) poderiam causar câncer de mama. As notícias publicadas sobre o assunto abordaram um recorte da pesquisa, focando a mensagem principal em um alerta para a relação do uso de anticoncepcional e a incidência de câncer de mama.

Mas, afinal, qual o caminho que uma tese científica percorre até se tornar parâmetro real? O uso de contraceptivos hormonais pode aumentar o risco de câncer de mama?

O trabalho em questão foi um estudo científico que avaliou 9.498 mulheres que tiveram câncer de mama antes dos 50 anos de idade (os casos) e as comparou com 18.171 mulheres que não tiveram câncer de mama e tinham características semelhantes às dos casos (estas últimas, chamadas de controles). Das pacientes com câncer de mama (casos do estudo), 44% haviam usado contraceptivos hormonais, comparadas a 39% dos controles.

Os resultados mostraram aumento de 18-29% no risco de câncer de mama associado a 5 anos de uso de contraceptivos hormonais. O aumento no risco foi o seguinte: 20% para uso apenas de progesterona, 18% para contraceptivos injetáveis, 28% para os implantáveis, e 21% para dispositivo intrauterino (DIU).

Para pacientes entre 16 e 20 anos de idade (faixa etária onde o risco de ter câncer de mama é muito baixo), houve aumento de 0,08-0,09% no risco, o que corresponde a 1 caso de câncer de mama a mais para cada 100.000 mulheres. Na faixa etária de 35 a 39 anos, o aumento no risco foi de 2,0-2,2%, correspondendo a 265 casos a mais de câncer de mama para cada 100.000 mulheres.

Importante lembrar que o risco de uma mulher desenvolver câncer de mama ao longo da vida varia entre 8-12% (8 a 12 casos para cada 100 mulheres), o que é um risco bastante alto e depende da influência de vários fatores ao longo da vida, inclusive história familiar e câncer hereditário, numa minoria dos casos.

Cabe salientar que o estudo não acompanhou as pacientes para avaliar mais tempo de uso dos contraceptivos (além dos 5 anos iniciais) e não levou em consideração outros tipos de medicamentos usados, nem fatores de risco para câncer de mama como sobrepeso, obesidade, sedentarismo e alcoolismo, por exemplo, nem fatores potencialmente protetores como idade da primeira gestação, número de filhos, amamentação e prática de atividades físicas.

Os contraceptivos hormonais estão associados ao benefício do controle de natalidade e também funcionam como fatores de proteção contra câncer de ovário (redução de 33% no risco) e de endométrio (redução de 34% no risco).

Mais relevante do que o recorte da pesquisa divulgados obre o uso de uma medicação importante para mulheres jovens, como os contraceptivos orais, pelos motivos já mencionados acima, é fundamental reforçar que outras ações têm impacto ainda maior na saúde das mulheres, como o consumo de álcool, por exemplo, socialmente bastante aceito na nossa população, mas associado a risco de câncer de mama de forma bem consistente: há aumento de 10% no risco de câncer de mama para cada 10 g de álcool consumida por dia.

Para qualquer câncer, existe um balanço entre fatores de risco e fatores protetores, os quais nem sempre são contemplados nos estudos. Provavelmente, as mulheres que usam contraceptivos orais, mas que não possuem risco hereditário para câncer de mama (genes com mutação), fazem atividade física regularmente, têm índice de massa corporal dentro do normal e bebem álcool sem excessos, por exemplo, não terão aumento importante no risco de câncer de mama pelo simples fator de usarem contraceptivos orais.

Nós, oncologistas, precisamos contribuir ainda mais para que a divulgação científica seja realizada de maneira responsável e clara para que o público tenha à disposição informações consistentes, sem induzir o risco de pânico generalizado e possível disseminação de notícias falsas. Sabemos que o modo no qual uma questão de saúde é enquadrada afeta a opinião pública, influencia o comportamento individual e desempenha um papel central no processo da formação das políticas de saúde.

* Dra. Daniela Dornelles Rosa, MD PhD

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