A maioria das mulheres brasileiras (86%) percebeu um aumento na violência cometida contra pessoas do sexo feminino durante o último ano. A conclusão é da pesquisa de opinião “Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher – 2021”, realizada pelo Instituto DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência.
A pesquisa é realizada a cada dois anos, desde 2005. A edição de 2021 revela um crescimento de 4% na percepção das mulheres sobre a violência em relação à edição anterior. O estudo ouviu 3 mil pessoas entre 14 outubro e 5 de novembro. Segundo a pesquisa, 68% das brasileiras conhecem uma ou mais mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar, enquanto 27% declaram já ter sofrido algum tipo de agressão por um homem.
De acordo com a pesquisa, 18% das mulheres agredidas por homens convivem com o agressor. Para 75% das entrevistadas, o medo leva a mulher a não denunciar. O estudo demonstra, no entanto, que 100% das vítimas agredidas por namorados e 79% das agredidas por maridos terminaram a relação.
Fica a questão: quais são os elementos e gatilhos que desencadeiam esta problemática? “Um deles é o relacionamento abusivo e tóxico, cujo padrão ainda é exaustivamente estudado, pois há uma série de contextos por trás deste comportamento. Afinal, nenhuma mulher escolhe viver uma relação destrutiva”, pontua a psicóloga Monica Machado.
No entanto, segundo ela, muitas mulheres vivem relacionamentos abusivos há anos, desvalorizando aspectos fundamentais como autoestima, amor-próprio, equilíbrio emocional, autoconhecimento, respeito, entre outros diversos, mantendo a relação em uma base totalmente nociva.
Como identificar que o relacionamento está tomando essa direção
Para entender um relacionamento abusivo, é necessário saber como funciona uma relação saudável. Para Monica Machado, cabe a ambos nutrir afeto, respeito, confiança, admiração, empatia, tolerância diante de divergências e, acima de tudo, uma comunicação eficaz e assertiva.
Já a relação tóxica pode começar de maneira sutil, como uma crítica a um comportamento, a maneira da pessoa se vestir, e vai piorando aos poucos, quando o parceiro demonstra claramente que está controlando e perseguindo a mulher, com a pretensão de coagi-la e torna-la submissa a ele.
Segundo a psicóloga, esse tipo de relação resulta também na humilhação em público. Exemplo disso é a postura de reprovação do homem quando a mulher expressa suas ideias durante um encontro entre amigos ou familiares. Ao notar que o outro não gostou, a pessoa se sente intimidada, envergonhada, acaba se calando e ficando apática. Pior: com medo de desagradar, ela insiste em querer justificar a todos o comportamento do outro.
Para o psiquiatra Adiel Rios, neste relacionamento, crenças relacionadas à insegurança e sentimento de inferioridade podem nutrir uma percepção distorcida da relação, havendo uma excessiva idealização do parceiro, inclusive achando que ele irá mudar.
Segundo ele, muitas vezes, não é fácil perceber que o relacionamento está se transformando, já que o abusador costuma usar discursos como “faço isso porque me preocupo com você”, ou “estou cuidando do seu bem-estar e da sua segurança”. Todo este comportamento pode ser erroneamente percebido como amor.
“A pessoa acaba exercendo poder sobre a outra, limitando a sua liberdade, humilhando, denegrindo, impondo sua forma de pensar e ser, de modo que ela acaba perdendo parte de sua identidade e altera a sua existência no mundo. Quando chega a esse ponto de sofrimento psíquico e físico, é hora de rever a relação”, reflete Adiel Rios.
Comodismo ou medo?
Além de questões individuais da mulher, como insegurança, sentimento de inferioridade e necessidade de estar com alguém, muitos fatores contribuem para que ela permaneça em um relacionamento abusivo. Algumas tendem a acreditar que não encontrarão outra pessoa. Há também pressões familiares ou sociais, dependência emocional, dependência financeira, medo de se expor e até culpa, pois, muitas vezes, o agressor a responsabiliza pelo comportamento manifestado por ele.
Quem passa por esses abusos, “finge” já ter se acostumado, e prefere continuar do jeito que está do que enfrentar os desafios que virão pela frente. Essa acomodação pode estar relacionada à própria personalidade da pessoa, alguém que frequentemente se sente frágil e, mesmo sendo abusada, se sente protegida pelo outro. Daí, cria-se uma relação simbiótica, na qual um depende emocionalmente do outro, formalizando um processo de desrespeito e submissão, que é alimentado continuamente.
Quando chega a extremos de agressão verbal e/ou física, a situação passa a demandar uma mudança comportamental urgente, a começar pela busca de um tratamento psicoterápico, visando a ruptura da relação simbiótica e a busca de equidade e equilíbrio. Para isso, é preciso primeiro reconhecer que é parte de uma relação de abuso.
“A partir do momento em que a mulher consegue ter consciência da sua realidade e que precisa se libertar da visão que tem sobre amor e respeito, fica mais fácil trabalhar essa distorção em terapia, conseguindo resgatar sua integridade física, moral e psicológica. Uma vez fora da relação abusiva, é importante essa mulher se fortalecer, desenvolver autoconhecimento e saber reconhecer o que define amor”, finaliza a psicóloga Monica Machado.
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