No geral eu sinto que estou feliz, estou de bem com a vida. Serena Ucelli, nascida na Itália, é naturalizada brasileira e está morando no Brasil há mais de 30 anos. Embora fale muito bem o português, tem um inconfundível e sonoro sotaque italiano, muito agradável de ouvir.
Serena, como o próprio nome diz, é uma pessoa tranquila e simpática, com voz clara e transmite ser uma pessoa muito “serena”.
Atualmente, com 59 anos de idade, é casada com Franco Ucelli di Nemi, também naturalizado brasileiro, e mãe de um casal de filhos já adultos, nascidos e criados no Brasil. Junto com o marido e Johnny Saad, é sócia fundadora do Primeiramão, o primeiro jornal de anúncios grátis do Brasil e também pioneiro na internet.
Em uma entrevista muito agradável, num restaurante no bairro Jardins, na cidade de São Paulo, Serena nos brindou com esta entrevista. E entre muitas gargalhadas, ela conta um pouco da sua história, como foi sua chegada ao Brasil e o começo do Primeiramão. Fala também de viagens, de como mantém sua forma – invejável – e seus planos para o futuro. Serena encanta as pessoas com quem se relaciona e é um exemplo de mulher realizada.
Serena, há quanto tempo você está aqui e porque veio morar no Brasil?
Acho que são mais de 30 anos que estamos no Brasil. Quando tínhamos apenas um ano de casados, meu marido, que trabalhava numa multinacional, foi levado a escolher entre Nova Iorque e São Paulo para ser transferido e gerenciar por três anos. E nós escolhemos São Paulo, por ser um país tropical [risos].
E como surgiu o jornal Primeira Mão?
O Primeira Mão surgiu nos anos 80, em outubro de 1980. E surgiu da ideia, de um tipo específico de jornal, o jornal de bairro. Era onde o anunciante pagava pelos anúncios e o jornal era distribuído gratuitamente nas casas e estabelecimentos comerciais. No exterior começou a surgir este tipo de jornal onde o anúncio era grátis e o jornal era vendido na banca, com um preço alto, digamos assim, para ser um jornal.
Eu lembro que uma vez, aterrissando em São Paulo e vendo todas essas luzinhas da cidade, enorme, monstruosa, pensei: mas como estas pessoas se ligam uma com a outra? Pensando naqueles jornais que eu tinha visto no exterior, com anúncio gratuito, foi aí que tivemos a ideia: Por que não em São Paulo, que é uma cidade que talvez necessite mais do que uma cidade pequena, como Milão ou Paris? E foi assim que surgiu o Primeira Mão.
Vocês vieram para fazer um trabalho de três anos e depois voltariam para a Itália. Por que ficaram em São Paulo?
As coisas começaram a acontecer. Eu falo que fomos abduzidos por São Paulo [risos], porque foram acontecendo coisas fora da nossa vontade mesmo. Quer dizer, sabe quando tudo começa a fluir de uma forma muito especial? O universo estava conspirando a nosso favor, porque a gente chegou aqui, não conhecia ninguém, éramos só os dois. Era uma multinacional italiana, com italianos que vinham e voltavam. Nós demoramos a achar o nosso lugar para morar. Começamos no Jardim Paulista, depois fomos para o Brooklin. Dizem que cada mudança de casa é como se fosse um incêndio na vida da pessoa. Nós mudamos tantas vezes! [risos]
Você tinha mais de 20 anos quando veio para o Brasil, vinha de uma cultura diferente da cultura brasileira, principalmente na questão feminina. Você sentiu muita diferença no comportamento feminino?
Quando nós chegamos aqui, a primeira vez mesmo, era o ano de 1977, ainda era finzinho dos militares no poder. Isso foi complicado para nós, porque era uma diferença de política tão forte, isso se repercutia também na figura feminina. Então, foi uma coisa complicada, mas o Brasil é tão bonito, tem tanta coisa, que a gente superou essa fase e também porque já tava no finalzinho. Logo entrou o Figueiredo e as coisas começaram a mudar, e para a mulher também.
Como foi sua criação numa época política complicada?
Na Itália, quando estávamos na faculdade, estavam começando os anos que chamamos de “chumbo”, começando a circular armas, brigada vermelha, uma época que mudou muita coisa e foi muito pesada. Graças a Deus eu tive duas irmãs mais velhas que abriram um pouco o caminho, foi uma revolução praticamente.
Você sentiu muita diferença aqui no Brasil?
Quando a gente chegou aqui, eu já era casada, tinha meus 26, 27 anos, e não senti muita diferença. Sabe, quer dizer, era uma diferença de cultura talvez, porque cada país tem sua própria cultura, mas me senti bem alinhada com relação às mulheres. Em algumas coisas senti mais liberdade do que tinha na Itália.
E como foi trocar de área? De artista plástica para empresária na área de comunicação?
Eu sou a ovelha negra da família [risos]. Na minha família todos são artistas. Minha mãe não se conformava, dizia: “Por que você não faz cerâmica, assim por hobby e depois você vende?” E eu dizia: “Eu vou ter que vender?” [risos] Teve um certo choque. Bem, eu adoro o que faço, acho fantástico. Eu fiz Artes Plásticas porque não sabia que havia outras possibilidades [risos]. Sabe, às vezes a gente estuda uma coisa e depois descobre que você quer outra coisa.
Você e seu marido trabalham juntos no Primeiramão?
Eu sou sócia fundadora junto com meu marido Franco Ucelli e com Johnny Saad. Nós fazemos parte desse grupo de comunicação que é a Bandeirantes. Meu marido cuida da parte financeira, a Band da administrativa, e eu cuido de toda parte de tecnologia. E na área do papel (jornal), a gente divide porque é muita coisa.
Como é o convívio com o Franco, já que são casados e sócios por mais de 30 anos? Como é a relação de trabalho e casamento?
É perfeito, perfeito. É assim, olha: primeiro a gente dividiu logo as funções, até porque temos que responder ao grupo todo. Isso cria uma ordem e respeito recíprocos no ambiente de trabalho. Isso permite então que a parte marido e mulher desaparecem completamente dentro do grupo, porque é muito importante a parte profissional, e foi desde o começo assim. A gente não se vê muito no escritório, só nas reuniões ou quando temos que conversar algum assunto específico. Mas também criou-se uma certa liberdade de marido e mulher, porque eu preciso viajar, fazer coisas independentes, e cada um é responsável por sua parte.
Entre as atividades profissionais, o que você mais gosta de fazer?
Eu gosto de fazer estratégias, de lançar produtos novos, de perceber o que vende mais. Tenho o lado comercial bastante forte, gosto de criar produtos novos para venda, marketing. Gosto muitíssimo de tecnologia, é uma coisa que me fascina. Gosto muito de compartilhar conhecimentos e orientar.
E quando você teve seus filhos, precisou se afastar do trabalho?
Olha, quando tive meu segundo filho, eu já tinha 35 anos, e me deu depressão pós-parto, eu fiquei muito cansada. Alguma coisa não deu certo, percebi saindo do hospital. Estava ainda no estacionamento e comecei a chorar.
Eu fiquei tão cansada, mas tão cansada que falei para o meu marido: “Eu vou parar de trabalhar, não vou conseguir!” E ainda lembrava que minha primeira filha não curti tanto assim. Sabia que não ia ter mais filhos, já estava com 35 anos e não queria mais filhos, nem ele. Nós já tínhamos um casal, e era perfeito. E meu marido disse: “Não faça isso, você vai se arrepender. E depois vai ser mais difícil se reintegrar, pode perder o seu lugar.” Então isso me ajudou muitíssimo, ele cobriu umas coisas minhas, foi realmente muito legal.
E os seus momentos de lazer? Quais são e o que você faz?
Primeiro temos que saber: o que é lazer? O que é marketing pessoal? O que é recreio?
Bom, o meu recreio é ginástica, bicicleta, natação, isso me dá energia. E a saúde é uma consequência. A boa forma, a beleza, essas coisas são consequências. Para mim, se eu não fizesse atividade física, eu não teria energia para fazer tudo o que eu faço. Então, essa parte eu coloco como sendo meu recreio.
Agora, todo o resto, exposição, cinema, teatro, para mim é trabalho [risos], porque faz parte. Até cabeleireiro é marketing pessoal. Por exemplo, uma exposição ativa o cérebro e a criatividade fica a mil.
Você tira férias?
[risos] Meu prazer é viajar. Hoje em dia não tiro mais férias prolongadas. Trabalho, trabalho, trabalho, depois viajo um pouco. Sou capaz de passar um weekend em Nova York e voltar. Valeu o custo da viagem? Para mim valeu mais do que ficar um mês no Caribe, não teria muito que fazer, sem internet então… [risos]
Workaholic então?
Não… [risos]. O trabalho é a minha recompensa, justamente por poder fazer essas coisas, fazer essas viagens, conhecer coisas novas.
Então você não pretende se aposentar?
Depois que me falaram que quando você se aposenta, provavelmente você vai ter um enfarte, nunca mais pensei no assunto [risos]. Mas pretendo reduzir um pouco o ritmo, delegar mais, fazer viagens mais longas, ficar mais com meus filhos e neto que moram fora de São Paulo. Mas eu não consigo me imaginar aposentada.
Sabe, a coisa que mais me dá pânico é perder os interesses, porque se eu não trabalhasse no ramo de tecnologia eu não saberia nada de twitter, de mídias sociais, de nada, então isso é um alimento. Mas, mudar a forma de trabalhar, isso sim, se tiver a possibilidade de conseguir mudar, porque tem todo um processo para chegar lá. Não estou dizendo que seja fácil, mas quando se chega na minha idade, muitas coisas mudam, porque o que vale mais é a sua experiência. Vejo que agora minha experiência é importante, muito mais que uma atividade puramente executiva.
Se não tivesse surgido a oportunidade de ter vindo para o Brasil, como você acha que estaria sua vida hoje? Talvez uma artista?
Eu acredito muito em destino, claro que a gente escolhe um monte de coisas, mas acho que tem um destino. Acho que talvez não teria sido exatamente assim, mas acho que nunca teria sido uma artista [risos].
Você é uma mulher muito bonita. Qual é o segredo?
Olha… Se eu não fizesse ginástica, eu seria um ratinho de tão magra [risos], a ginástica é que me dá as curvas. Eu gosto de correr, de nadar, andar de bike. Uso cremes, tratamento a base de ácidos para o rosto e tem um tanto da minha natureza [risos].
E qual é sua filosofia de vida?
Eu tive a sorte de ter um amigo lama tibetano, que tinha se refugiado na Itália. É amigo até hoje. Achei muito interessante, porque o budismo, mais que uma religião, é uma filosofia. Depois fiquei super intrigada com a cabala, porque eu sou católica cristã, entendi a cabala que é a nossa raiz de tudo. E fiquei super interessada pela cabala também. Fiz um pouco de tudo, todos esses anos. Todas as filosofias me ajudam. As informações chegam, aí você elabora, e acaba tendo uma mistura de tudo isso. Por exemplo, não suporto complexo de culpa, que a religião católica nos impõe, e a filosofia budista tira o complexo completamente.
Você se sente uma Plena Mulher? O que é ser uma Plena Mulher para você?
Sim. Eu acho que ser plena é estar satisfeita consigo mesma. É você olhar para si e ao seu redor e falar: Bom, tudo está indo! Os filhos, o trabalho, enfim tudo o que a gente tem! Porque há momentos que se tem, e em outros não. Mas aquilo que a gente tem, ver que deu certo. Na minha idade a gente faz um balancinho. No geral eu sinto que estou feliz, estou de bem com a vida.
Por: Mariliz Consul – Diretora de Redação – E-mail: [email protected]
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