Acho que a nossa geração quebrou muitos paradigmas. Théa Côrte, sócia diretora do Grupo COBRAM – Companhia Brasileira de Marketing –, formada em artes plásticas. Depois de algumas aventuras no auge da década de 70, com um casamento e uma filha aos 17 anos, uma separação aos 28, diz não se arrepender de nada e que faria tudo novamente.
Nesta entrevista, entre alguns telefonemas, envio e recebimento de e-mails, pessoas entrando na sala e muitas risadas, Théa nos fala de assuntos como uma menopausa precoce e o orgulho que tem da filha. Conta como chegou na área publicitária, onde o pai e os irmãos já atuavam, diz estar menos workaholic e que adora o que faz.
O que levou você a ser uma profissional na área de marketing?
A minha formação é em Artes Plásticas, sou bacharel em pintura, escultura e gravura. Mas a publicidade, sempre esteve no sangue. Eu tinha 4 anos de idade, já estava numa agência de publicidade junto com meu pai. Meu pai sempre envolveu muito os filhos, para ele não tem trabalho sem convivência com os filhos. Ele sempre trabalhou com publicidade e propaganda em várias empresas, como Antarctica, Tintas Coral, Grupo Bunge & Born, Ipiranga, MPM, Editora Abril. Eu me lembro, desde pequeninha, ele viajava a trabalho e carregava a gente junto. Sempre trabalhou muito e viajou muito, mas nunca foi ausente, porque sempre levou a família com ele e sempre era uma coisa bastante aventureira.
Foi a necessidade mesmo, porque eu casei muito nova, saí de casa para viver com um músico. Eu tinha 17 para 18 anos, minha filha nasceu quando eu tinha 18 para 19, e separei aos 28 anos. Meu casamento durou 10 anos, foi muito legal. O término foi mais drástico, eu estava casada num dia e no dia seguinte não estava mais. Bom, pensei: vou ter que sustentar minha filha.
Por que drástico?
A relação já tava esquisita, eu tendo que abrir mão das minhas coisas… Foi apagando aquela luz interna com a qual todo mundo nasce, apesar de que os dois éramos muito jovens. Um ficou e o outro foi. Ele foi, montou uma escola de música. E eu sempre muito parceira, sempre ajudei muito ele, mas não conseguia realizar as minhas coisas.
Pode-se dizer neste caso, que quando aconteceu a separação, você estava deixando a sua vida de lado em função da vida dele?
Em toda minha vida, eu sempre fui muito dinâmica, muito ativa. Eu pintava desde os 11 anos de idade, depois fiz fotografia. Eu tinha um laboratório fotográfico montado em casa, estava sempre participando, fazendo exposições, palestras. Eram os anos 78 ou 79, era o auge! Ele músico e eu artista plástica, aquela paixão absurda. Quando estava morando com ele, fazia quatro meses, fiquei grávida da Alessandra.
Aí eu passei por todo um processo de crescimento imposto pela maternidade, que ele não passou. E isso tudo pra minha família foi um desastre também. Única filha mulher, saí de casa, de uma belíssima mansão no Morumbi, com toda mordomia, para morar numa quitinete, para ”viver o amor numa cabana”. Mas as coisas caminharam para um modo tradicional, veja isso! Ele foi a luta e eu fiquei de dona de casa, até porque não tínhamos outra alternativa. Quando eu quis mudar isso, já era tarde, ele não aceitou dividir.
Se tivesse que recomeçar, começaria tudo de novo, porque não tem preço toda essa experiência. Para minha época, eu fui extremamente ousada e isso me deu a força. Mas aconteceu um paradoxo, e assumi um perfil tradicionalista, me anulando em prol do relacionamento e quando isso acontece, a alma da gente vem bater na porta e nos cobrar. O preço é muito alto.
Qual a diferença da mãe dona de casa, que era comum há trinta anos, para mãe de hoje?
Acho que a nossa geração quebrou muitos paradigmas. A geração da minha mãe já estava quebrando um pouco também, mas nós chutamos o pau da barraca mesmo.
Minha mãe vive até hoje, mais de 50 anos de casada, com o homem que ela ama: meu pai. Mas ela sempre teve senso crítico em relação a ele, ela sabia que ele era exagerado, que era ciumento. Nós duas éramos cúmplices, é obvio que para muitas coisas não – como drogas – mas em relação a namoricos sim, era tranquilo.
Meu pai era muito ciumento e, imagina, criei corpão muito cedo, menstruei com 11 anos, e já tinha um corpo de mulherão. A altura que tenho hoje, 1,70m, eu já tinha aos 12 anos. Então, pensa como ficou meu pai, os pretendentes começaram a chegar e eu ainda brincava com bonecas… Minha mãe dizia que eu ia trocar as bonecas por namorados.
O “Siga Bem Caminhoneiro” é um programa, a princípio, feito para um público masculino. Como é isso para você?
Quem cuida/educa o homem é a mulher né? [risos] Faço a produção executiva, a minha editora-chefe e a principal jornalista são mulheres. Mas tem homens também! O diretor de redação é homem e não vejo diferença. O toque feminino desse programa é justamente olhar para a família do caminhoneiro, o cuidado com a sua família, o cuidado dele na direção, toda a questão da Lei de Trânsito, da saúde.
É um prazer muito grande fazer isso, todas as campanhas de responsabilidade social, que eu toquei pessoalmente dentro do Siga Bem Caminhoneiro, como o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes! Foram cinco anos tocando essa campanha “Siga Bem Criança”, e mais três anos tocando o “Siga Bem Mulher”, de combate à violência contra a mulher, com divulgação da Lei Maria da Penha e pesquisa junto ao caminhoneiro, são projetos grandes e que têm vários canais de divulgação e de comunicação até corpo-a-corpo. Então, é sempre muito prazeroso. E a audiência do programa aumentou muito. [risos]
É preciso entender a cabeça do caminhoneiro, que ele permanece em média 20 a 25 dias por mês fora de casa, entender que sua mulher segura a barra sozinha, com filhos pequenos, filhos adolescentes e está sempre só. E, no outro lado, o homem reclama de estar só na estrada, mas ele não aguenta ficar uma semana em casa, começa a brigar.
Você acha que se o programa fosse dirigido só por homens seria diferente?
Talvez sim. Na verdade nós desenvolvemos ações dentro do programa de televisão, que foram orientadas, no caso do “Siga Bem Criança” e do “Siga Bem Mulher”, pela Petrobras e pela BR Distribuidora. Porém, acho que a diferença é que nós mulheres conseguimos fazer um desdobramento, ou seja, a gente não se limita, desenvolve a ideia, desenvolve o produto e ele acaba se ramificando.
Então, a Companhia espera determinado resultado e recebe 15 vezes mais. É muito prazeroso trabalhar a responsabilidade social. Por exemplo: fomos os pioneiros, fomos o programa que abordou com muita transparência e com uma linguagem acessível os problemas de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes.
A gente tinha como briefing explicar para o caminhoneiro, que, por tradição, sempre deu carona, não só para crianças, que ele não poderia mais fazê-lo. E como o caminhoneiro está sempre sozinho na estrada, estas pessoas são uma companhia para ele. Em toda a profissão você tem os bons e os maus, então a nossa preocupação foi o seguinte: enquanto você tem todo um lado da sociedade falando – ah, o caminhoneiro é isso, é aquilo – não é verdade, ele é o condutor dessa criança, desse jovem… E pelas estradas em 1, 2 ou 3 dias pode-se atravessar o Brasil.
Ou seja, a criança está fugindo de uma situação de abuso sexual domiciliar, e a mãe já considera isso normal por também ter sofrido com abusos do pai, do avô. Aí você junta vários componentes: miséria, a questão cultural que a mãe e a avó viveram… e existe um “silêncio”, ninguém fala sobre isso, passa a fazer parte do destino, como se isso fosse um karma. E o núcleo familiar que é um lugar sagrado, onde a criança confia, onde ela é cuidada, onde é alimentada, onde dorme, se ela não tem isso, se essa confiança foi quebrada, essa criança foge e encontra na estrada o que ela não encontrava mais em sua casa.
Quando o caminhoneiro via uma criança sozinha na beira da estrada, ele dava carona. Hoje em dia ele não dá mais, não tira a criança de seu entorno. Ao invés de dar carona ele liga para o disque denúncia nº 100 e dá as informações possíveis de localização desta criança, para que as políticas públicas, conselhos tutelares e polícia rodoviária, parceiros do “Siga Bem Criança”, tomem as providências.
Essa campanha se desdobrou para adesão de milhares de caminhoneiros, empresas de transporte, sindicatos, associações de classe, artistas, etc, e esse é o nosso trabalho, o trabalho de uma enxuta equipe de mulheres.
E o “Siga Bem Mulher”?
É uma ação que também continua no site do Siga Bem e na rádio. Foi um desafio, porque é óbvio que o caminhoneiro, em relação a esse assunto, tem um pouco mais de resistência, no sentido da multiplicação da informação, do que quando o assunto é com criança, criança é sempre criança. O “Siga Bem Mulher” é um pouco mais complicado de lidar. Foi a ação corpo a corpo por duas Caravanas do Siga Bem, por dois anos consecutivos.
Esta ação é uma parceria com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e contamos, ainda, com o pessoal da ONG chamada Cepia do Rio de Janeiro e da ONG Novo Mundo, que é formada por homens que combatem junto aos seus pares a violência contra a mulher. Muito legal!
É mais fácil tratar desta questão com ações corpo a corpo. Com a campanha fizemos pesquisas que trouxeram resultados fantásticos mostrando como o homem esta compartilhando a educação dos filhos, como ele esta participando das atividades do lar. Isso se mostrou como uma evolução natural, onde esta havendo mais diálogo entre o homem e a mulher. Hoje a mulher está se posicionando muito mais.
Você gosta do que faz?
Gosto! Gosto porque faço por amor. Estou numa empresa familiar, que foi fundada por meu pai em 1981, quando eu estava com minha filha ainda no colo. Então meu pai convidou meu irmão mais velho para trabalhar com ele e, eu só vim trabalhar com eles em 1991. No inicio foi difícil, porque eu entrei como contato de publicidade. Tomava cada canseira das agências…
Não tive vida mole não! Eu ganhava de fixo metade do que ganhava um contato de classificados. Tinha que dar o exemplo, “não sabe ainda, vai ter que aprender”. Pastei muito, foi muito angustiante. Imagine você se considerar uma artista com todas as características do ofício, tendo que fazer um exercício enorme de humildade para guardar o ego no bolso.
Então, no início foi muito difícil. Mas a mulher tem essa característica, não é? Eu precisava sustentar minha filha! Eu queria oferecer uma vida cheia de novidades para ela e também, isso está no sangue, construir um patrimônio pra ela, pelo menos o mínimo para sua segurança num mundo tão maluco como este!
Na maioria das vezes, as mulheres têm que fazer o triplo para provar alguma coisa. E comigo não foi diferente, ainda mais com pai italiano e mais dois irmãos homens. Tive que ralar muito, até o dia que me convidaram para ser sócia. Foi uma conquista. Também tive muitos ensinamentos deles, e tudo o que fiz foi por amor.
Se tivesse que mudar alguma coisa, o que seria?
Na minha vida? Eu fui uma workaholic, hoje melhorei muito. No período em que me separei, mergulhei muito no trabalho. Conquistei coisas, graças a Deus, criei minha filha, linda, maravilhosa, ela está com 28 anos, pude fazer uma porrada de coisas.
Mas se tivesse uma coisa que eu pudesse mudar, eu diria que teria convivido mais com minha filha na adolescência. Eu estava diariamente com ela, mas eu tinha um perfil masculino.
Carrega algum sentimento de culpa, por esta ausência?
Toda mãe/mulher sempre carrega um pouco né? Apesar de ter feito terapia com minha filha, e ela ter me dito: “Pelo amor de Deus, mãe! Você tá louca, está tudo ótimo!” Na verdade aprendi que a gente faz o máximo que consegue! A gente faz o possível!
O que você acha da ditadura da beleza?
Faz tempo que não me preocupo mais com isso. Olha, em 2002 fui ao médico, emagreci, fiquei bonitona, mas sem fazer ginástica, até porque nunca gostei de ginástica. Fiquei com um corpão bonito, tudo fica legal. Mas tive uma menopausa precoce, aos 41 anos. Sumiu minha menstruação da noite para o dia. Achei que estava grávida, e não era, tive uma menopausa pós-traumática, por choque, com a perda do meu irmão mais novo um ano antes. Aí começou o calorão, sudorese, depressão, eu chorava à toa, cansaço absurdo, engordei, a libido foi embora, isso tudo com 41 anos. Mesmo assim, casei de novo.
Agora, quanto a esta questão da ditadura da beleza, acho terrível! Cada um tem que manter o que sua alma lhe pede. Pelo amor de Deus, olha quanta menina doente! Não pode ter nóia, tem que ter um equilíbrio. Agora, por exemplo, eu quero fazer cirurgia de pálpebras, porque acho que já caiu demais da conta, isso me incomoda, eu acho muito legal quando a gente se olha no espelho e diz: – nossa! que mulher bonita!
Ainda sobre a menopausa – Isso é importante, porque não é todo mundo que fala sobe isso. Antigamente, a gente não tinha lá a tia? Aquela tia que era gorducha, a tia meio dodói, meio cabisbaixa – nossa, coitada da tia, tá sempre doente aquela tia! Coisa nenhuma! Era menopausa aquilo tudo, a gente não tinha idéia do que era isso.
Nós temos sim um problema sério com a falta de estrógeno, dopamina, serotonina, ou seja lá o que for. É químico, e a coitada da tia, não era tratada como devia. Até hoje, por incrível que pareça, a gente não é preparada para a menopausa. Tem um livro bárbaro sobre o assunto – Está quente aqui ou sou eu? – imperdível, foi o que me deu um pouco de bom humor. E aí, o que eu fiz? Emprestei para meu pai e meu irmão, para eles entenderem o que estava se passando comigo, afinal são meus sócios!
Alguma conquista de que se orgulhe?
Sim, a relação entre eu e minha filha. A gente conseguiu! Lógico que toda evolução, toda conquista também gera sofrimento, tem que passar por tudo, aguentar firme e ir em frente. Mas a gente conquistou um relacionamento de absoluta autenticidade uma com a outra, e quando se alcança este patamar você deixa de ter e criar expectativa.
Eu nunca atingi este grau de evolução de relacionamento com ninguém, nunca, e graças a Deus eu conquistei com minha filha Alessandra, e foi ela que me levou a isso, porque Alessandra sempre foi muito autêntica, sempre me disse não, quando não queria estar ao meu lado, sem medo se eu ia sofrer ou não por isso. Tivemos muitas conversas sobre tudo, muito abertamente, procurei ser sempre muito verdadeira com ela. E eu me orgulho muito disso, a nossa relação é algo sublime.
Qual é o seu lazer, o que você gosta de fazer?
Dormir muito, amo dormir! Eu sonho muito, sonho tecnicolor, som 5.1, estéreo total! [risos] Adoro fazer nada, ficar comigo mesma, é uma delícia. Estou num exercício frequente de focar no agora e deixar o passado e o futuro para lá.
Filosofia de vida, crenças?
Acredito na generosidade, acredito em Deus, acredito na bondade, na verdade, na transparência, na esperança.
Uma mulher dinâmica, ativa como você se considera uma Plena Mulher?
Cada vez mais, eu estou a caminho de. Tenho mais paz interior, estou mais seletiva, o ouvido fica seletivo, procuro não ouvir abobrinhas, só ouvir coisas que realmente valham a pena. Estou a caminho cada vez mais, quero ser mais sábia a cada dia que passa. Pretendo assumir meus cabelos brancos, existe uma corrente enorme mundial sobre mulheres assumindo seus cabelos brancos.
O programa Siga Bem Caminhoneiro agora chama-se Brasil Caminhoneiro e é exibido na Rede Aparecida aos domingos às 16 horas. www.brasilcaminhoneiro.com.br
† Théa Côrte faleceu no dia 19/09/2016 em Brasília/DF.
Por: Mariliz Consul – Diretora de Redação – E-mail: [email protected]
CONTINUE LENDO →