As traições são frequentemente associadas à insatisfação sexual, à busca por alguém mais atraente ou à vontade de experimentar algo que não se vive dentro do relacionamento. Mas essa visão simplificada não reflete a realidade de muitos casos. 

Trair pode estar ligado a uma série de fatores que vão muito além do desejo ou da aparência física, muitas vezes conectados a questões emocionais profundas e até inconscientes. De acordo com uma pesquisa realizada em 2022 pelo Gleeden, um aplicativo de encontros discretos pensado por mulheres, o Brasil é o país mais infiel da América Latina.

“Lidar com uma traição é como levar um tombo inesperado. Dói, desestabiliza e, por um tempo, tudo parece confuso. Com o tempo e os cuidados certos, é possível se reerguer e seguir adiante, mesmo que, no início, pareça difícil. O primeiro passo é respeitar seu próprio tempo e espaço. Sentir raiva, tristeza e confusão é natural e importante, logo, não há necessidade de se cobrar por estar bem rapidamente. Cada pessoa processa a dor à sua maneira, e permitir-se sentir é parte fundamental da recuperação”, comenta a psicóloga e sexóloga, Laís Melquíades.

Buscar apoio e conversar com alguém de confiança ou com um profissional pode ajudar a organizar os pensamentos e evitar decisões precipitadas. Quando se trata de escolhas importantes, é importante agir com cautela. Se afastar, perdoar ou seguir caminhos distintos são decisões que exigem reflexão, pois as emoções intensas do momento podem influenciar reações impulsivas.

“Para algumas pessoas, a traição pode ser um mecanismo de autoproteção diante do medo do abandono—uma forma inconsciente de “se antecipar” à dor de ser deixado. Para outras, pode ser uma tentativa de afirmação, de provar para si mesmo que ainda é desejado, capaz ou valorizado, especialmente quando a autoestima está fragilizada. Em certos casos, pode até representar um entendimento distorcido de merecimento, como se a busca por algo novo validasse sua importância ou aliviasse frustrações internas”, reforça ela.

Para Melquíades, independentemente da razão, a traição nunca é apenas sobre o outro, mas sobre quem a pratica e os esquemas emocionais que a pessoa carrega. Compreender esses gatilhos é essencial para quem deseja romper padrões destrutivos e construir relações mais saudáveis e verdadeiras.

É possível reconstruir a confiança após uma traição? 

A frase “errar é humano” não foi criada à toa, mas isso não quer dizer que quebrar acordos deva fazer parte de um comportamento frequente. Afinal de contas, a parte mais difícil é reconstruir aquilo que foi quebrado, embora seja possível, mas exige tempo, esforço e, principalmente, vontade genuína de ambas as partes. 

“Não é um caminho fácil, mas se houver um desejo verdadeiro de seguir juntos, algumas práticas podem ajudar nesse processo. Primeiro, é essencial que quem traiu assuma a responsabilidade pelo erro, sem minimizar ou justificar. Sobretudo entenda o grande motivador pelo qual tomou essa atitude para evitar que esse comportamento volte a ocorrer”, comenta a psicóloga. 

Segundo Melquíades, pedir desculpas é importante, mas a mudança real vem das atitudes no dia a dia. Transparência total também é fundamental, se antes existiam segredos, agora é hora de abrir as portas para o diálogo sincero. Isso significa estar disposto a responder perguntas e demonstrar que a traição ficou no passado. 

“Ações como, liberar o celular, bloquear algum contato, evitar certas programações pode fazer parte, mesmo que isso pareça uma invasão de privacidade. Para quem foi traído, é importante cuidar dos seus sentimentos para que eles não dominem a relação para sempre. Sentir insegurança e medo é natural, mas se o desejo for reconstruir, é necessário abrir espaço, aos poucos, para a possibilidade de confiar de novo”, comenta ela.

A terapia de casal pode ser uma ferramenta valiosa nesse processo, pois ajuda a entender os gatilhos da traição, fortalecer a comunicação e criar um novo contrato afetivo. Além disso, estabelecer combinados claros sobre expectativas e limites na relação traz segurança para os dois.

Outro ponto importante apontado pela psicóloga é cultivar a conexão emocional. Isso significa resgatar momentos de intimidade, investir no diálogo, na escuta e na demonstração de carinho. A confiança não volta do nada, ela se reconstrói no dia a dia, em pequenas ações coerentes e consistentes. Mas lembrando, que pra isso eu preciso respeitar o tempo para que as emoções iniciais se dissolvam.

“Vale lembrar que reconstruir a confiança não significa esquecer o que aconteceu, mas sim ressignificar a relação. O passado não muda, mas o futuro pode ser diferente se ambos estiverem dispostos a construí-lo juntos”, ressalta ela.

O que causa uma traição?

Muitas vezes, a traição é vista como um sintoma de problemas no relacionamento, mas, no fundo, ela sempre parte de esquemas e valores individuais. A decisão de trair é uma responsabilidade pessoal, ainda que seja estimulada por dificuldades no casamento. 

“Usando uma analogia simples: se o prato que tenho na mesa não me agrada, minha inabilidade de pedir um novo ao garçom não justifica pegar o prato da mesa ao lado sem permissão. Da mesma forma, a traição não é apenas uma resposta ao que falta na relação, mas uma escolha que reflete a forma como cada indivíduo lida com frustração, desejo e comunicação”,. 

O formato da relação e a dinâmica do casal podem ser facilitadores para esse tipo de ruptura, mas nunca determinantes. No geral, os relacionamentos sofrem muito com a falta de comunicação, tanto para expressar sentimentos e desejos de forma honesta quanto para se sentir validado ao fazer isso. 

“Quando alguém não se sente ouvido ou valorizado, a busca por reconhecimento pode acontecer fora da relação. A desconexão emocional e física também é um fator que pode contribuir para o distanciamento, e muitas vezes, ela própria é um reflexo dessa dificuldade de diálogo”, explica Melquíades.

A psicóloga aponta que para abordar essas questões, é essencial criar um ambiente seguro para conversas sinceras, onde ambos possam expressar suas necessidades sem medo de julgamentos. A terapia de casal pode ser uma ferramenta poderosa nesse processo, ajudando a identificar padrões de comportamento, esquemas emocionais e fortalecer o vínculo de forma saudável.

“No final, a traição pode ser um choque de realidade, um convite doloroso para reavaliar tanto o relacionamento quanto os próprios valores e habilidades emocionais. Algumas vezes, isso leva à reconstrução e ao fortalecimento do vínculo. Outras, significa reconhecer que o relacionamento já não faz sentido para ambos. O importante é que qualquer decisão seja tomada com clareza, respeito e, acima de tudo, verdade”, finaliza ela.

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