Edelvais, uma flor sensível e dedicada, andava um tanto pálida, cansada de cuidar das estrelinhas, a quem ensinou a compor lambrequins com suas luzinhas para enfeitarem a redoma onde moram. Em dado momento, sente-se atraída pelo Cavaleiro que, preso a contratos e à própria armadura, vive o desgaste do esforço diário num semblante envelhecido. Enquanto ela ansiava por liberdade, ele não queria depender daquele amor.
A partir desta relação, das diferentes expectativas e perspectivas de vida, a premiada escritora gaúcha Marilice Costi apresenta uma história de incompreensão, desencontros e busca do sentido n’A Fábula do Cuidador. Inspirada em textos clássicos e romances de cavalaria medievais, a narrativa, ágil e sutil, desenvolve-se em torno do cuidado que um personagem demanda do outro.
Com um livro repleto de metáforas do universo infantil, outros atores ganham vida para transmitir sabedorias que se revelarão à medida que se apresentam. A Raposa é a leal ouvinte de Edelvais, a conselheira, que cumpre papel importante e depois desaparece. Óbvio é o curador, portador da liberdade, chamado por flor em seus sonhos. Já a gaivota Fernão, o professor de voo, entra em cena como aquele que acolhe, cuida e protege.
Fernão já ouvira falar daquela flor que buscava rumo. Ele ensinava piruetas a um bando de gaivotas novatas. Edelvais pensou: é o que preciso. Saber como ele consegue espernear pelos ares sem se machucar.
– Venha! – a flor ouviu o chamado dele à distância. Edelvais deu um impulso, descolou as raízes batendo uma na outra até soltar o barro e se foi. Logo se sentiu acolhida no meio do bando de gaivotas. (A Fábula do Cuidador, p. 42)
Nestas páginas, o leitor facilmente recordará de “O pequeno príncipe”, de Saint-Exupéry, tanto pelos personagens quanto em temas como o movimento ou a responsabilidade de cativar alguém. Há, também, a intertextualidade com “Alice no país das maravilhas”, de Lewis Carroll, e com “Fernão Capelo Gaivota”, de Richard Bach, de quem toma emprestada a gaivota Fernão.
Autora de Ressurgimento, vencedor de Açorianos – premiação literária mais importante do Rio Grande do Sul –, Marilice Costi conecta a história, capítulo a capítulo, com frases, poemas e ilustrações de própria autoria. Fiel à sua linha de pensamento e criação, esta arquiteta das palavras escreve com ternura sobre cuidado e transformação. Sobre compreender-se, aceitar-se, perdoar-se. Sobre perseguir os próprios sonhos.
Reproduzindo as palavras do escritor Dilan Camargo, A Fábula do Cuidador se inscreve ente às obras que procuram iluminar uma das questões mais urgentes na sociedade contemporânea: a de que se faz necessário um segundo nascimento do masculino, com a construção afetiva de um novo homem diante do surgimento de uma nova mulher.
CONTINUE LENDO →