Nos livros de autoajuda ou no senso comum, somos sempre estimulados a ver o lado bom da vida, o pensamento positivo resolve vários problemas. Mas, na prática, somente o fato de se pensar positivamente não é suficiente para se conseguir êxito, em alguns casos, pode até atrapalhar o sucesso.
Pensar positivo, por si só, não produz qualquer mudança concreta na vida. Uma crença excessivamente otimista ou o exercício de visualizar o sucesso pode, na verdade, levar à inação. É o que esclarece o Jan Luiz Leonardi, doutor em psicologia clínica pela USP. “Imagine alguém que fica mentalizando que vai ser aprovado em uma entrevista de emprego, mas não faz a preparação necessária – não pratica suas habilidades de comunicação, não sabe como demonstrar suas competências, etc. O mero pensamento positivo, desprovido de ação, dificilmente culminará na desejada contratação”.
Então por qual motivo o pensamento positivo é tão comentado na mídia e difundido na nossa sociedade? O psicólogo explica que as pessoas anseiam por soluções que sejam simples, imediatas e quase mágicas. “Elas atraem indivíduos que desejam colher sem ter que plantar e cultivar”.
O lado bom da vida
O especialista esclarece que não somos obrigados e não devemos buscar olhar sempre o lado positivo de situações difíceis. De acordo com Jan Leonardi, as emoções humanas são reações naturais a acontecimentos específicos. Assim, quando alguém passa por uma experiência catastrófica, suas reações emocionais costumam ser uma combinação complexa de tristeza, raiva, confusão, entre outras. “Dizer a alguém para ‘olhar para o lado positivo’ em meio a essa tempestade emocional pode invalidar a sua experiência, sugerindo, mesmo que inadvertidamente, que seus sentimentos são inapropriados, errados ou patológicos”. Segundo o especialista, as pesquisas sobre o funcionamento das emoções mostram que a validação (a comunicação explícita de que os sentimentos de alguém são compreensíveis e legítimos) é vital para a saúde mental e o bem-estar.
Existe maneira correta de pensar?
“Pensar corretamente” envolve reconhecer e desafiar nossas distorções cognitivas que acabam comprometendo nossa percepção da realidade. “Pergunte a si mesmo: ‘Existem evidências concretas que confirmam este pensamento?’; ‘Há interpretações alternativas para essa minha ideia?’”. Jan dá o exemplo de uma distorção cognitiva comum que é o pensamento tudo ou nada. “As pessoas ou lhe amam ou lhe odeiam. Algo é perfeito ou um desastre. Ou você não tem responsabilidade alguma ou é totalmente culpado”. Nesses casos, Jan orienta que as pessoas devem se perguntar “Quais aspectos dessa situação não se encaixam completamente em um extremo ou em outro?”. Isso incentiva a reflexão sobre os elementos da situação que são ambíguos ou que estão num continuum. “Outra pergunta é: ‘Você consegue pensar em uma situação similar no passado onde sua percepção inicial mudou com o tempo ou com mais informações?’, que lhe incentiva a reconhecer que suas primeiras impressões podem ser revistas”.
Pensamento e ação andam juntos
Jan explica que ambos são importantes. Os pensamentos são responsáveis por analisar informações, formular hipóteses e criar estratégias. Logo, eles são essenciais para a fase de planejamento. “Sem o pensamento adequado, nossos planos poderiam ser desordenados ou ineficazes. Já as ações são a manifestação palpável de nossos pensamentos. Sem elas, os pensamentos permanecem no reino da possibilidade e não se traduzem em realidade. As ações são o que nos permitem concretizar nossos pensamentos no mundo real”.
O psicólogo explica que o ser humano é uma soma de circunstâncias. O pensamento positivo por si só não resolverá um problema, porém ele é um grande estímulo para que você o resolva ou busque ajuda de alguém capacitado. O segredo está em deixar o pensamento e a ação condizentes com a realidade de uma forma racional. Por exemplo, sabemos que os níveis de colesterol no sangue não diminuem somente com a força do pensamento. Para resolver este problema, o mais indicado por um profissional da saúde é focar na dieta e nos exercícios físicos, estes sim cientificamente comprovados.
Porém, o pensamento positivo pode, sim, motivar a pessoa a ter hábitos mais saudáveis. “De fato, o pensamento positivo não exerce qualquer influência direta sobre o colesterol no sangue. Neste caso, se o pensamento envolvido for algo como ´se eu me exercitar quatro vezes na semana e seguir a alimentação que a minha nutricionista recomendou, eu vou ficar mais saudável, os níveis de colesterol ficarão dentro da normalidade’, vai ajudar. Por quê? Porque é um pensamento condizente com a realidade, preciso e racional. Esse pensamento pode contribuir para a aderência à dieta e à prática regular de atividade física. Porém, se ficar em casa mentalizando o emagrecimento e não focar na dieta e nem suar a camisa, nada vai acontecer…”.
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