O conceito de almas gêmeas é muito presente no imaginário coletivo. Se nos primórdios da humanidade as pessoas devoravam lendas e romances que retratavam encontros amorosos explosivos entre duas almas, hoje o cinema, as novelas e séries que abordam a temática seguem influenciando e arrebatando corações, que sonham um dia encontrar a tão almejada cara-metade. O que muita gente não sabe, no entanto, é que almas gêmeas não são as que compartilham os mesmos gostos, anseios e pensamentos, mas sim almas complementares, cujas características se equilibram.
É o que explica o rabino Yair Alon, autor do livro Almas Gêmeas e a Cabalá – A Teoria Revelada. Segundo ele, o propósito da alma gêmea é fazer com que, por meio dos relacionamentos amorosos, seja possível crescer como ser humano, trabalhando características internas. “Ao contrário do que muitos pensam, alma gêmea não é alguém igual a você, mas justamente o oposto, alguém com características diferentes e que te fará crescer por meio dessa diferença”, afirma. “Essa é a ideia de Gênesis: Eva ser uma ‘ajudante’ de Adão. Em hebraico o termo original – ezer kenegdo – significa, literalmente, uma ‘ajudante oposta’ ou uma ‘ajudante contra ele.’”
Outra questão que o especialista levanta é sobre a origem das almas gêmeas. De acordo com a Cabalá, elas são criadas no mesmo lugar – um ponto específico do corpo espiritual de Adão – e por isso são mais próximas entre si do que de outras. “Quando duas almas são extremamente próximas, chamamos de almas gêmeas – tal qual gêmeos no nosso mundo, criados ‘colados’ um ao outro dentro do mesmo útero”, explica, lembrando que essas almas idealmente deveriam casar entre si, como afirma o Talmud (literatura judaica). E aí surge a grande questão dos que vivem essa busca: como encontrar a alma gêmea em um mundo de quase 8 bilhões de pessoas?
“A primeira coisa é entender o conceito de alma gêmea, desmistificando a visão romântica hollywoodiana que temos e, com base nisso, pensar se você realmente quer sua alma gêmea ou apenas uma boa relação amorosa-sexual, que se pode ter com pessoas que não são sua alma gêmea”, alerta o rabino. “Se a resposta for positiva, é preciso começar um trabalho interno de autoavaliação e de melhoria como pessoa, o que os cabalistas chamam de trabalhar nas suas midot. É o famoso cuidar do seu jardim para que as borboletas comecem a aparecer”, esclarece.
Jardinagem interna
Nada faz mais sentido na busca pela alma gêmea do que o famoso poema de Mário Quintana: “O segredo é não correr atrás das borboletas… É cuidar do seu jardim para que elas venham até você. No final das contas, você vai achar não quem você estava procurando, mas quem estava procurando por você!”
Quando fala que a busca pela alma gêmea começa por uma autoavaliação, o cabalista dá o caminho das pedras – algumas atitudes práticas que é possível trabalhar desde já, segundo ele, para se preparar para o encontro. A primeira delas é ter um olhar crítico para dentro. “Liste os atributos que considera mais negativos em você e faça um plano para mudá-los. Busque ajuda de profissionais e terapeutas, se preciso”, observa.
Pedir ajuda ao Universo também impulsiona o caminho. “Use o poder da oração pessoal, independente da sua fé, para pedir ajuda nessa jornada. E tenha paciência. Não espere encontrar a alma gêmea do dia para a noite e durante o processo não esmoreça”, ele acrescenta, sublinhando a importância de não travar a vida enquanto isso. “Não é porque você está buscando sua alma gêmea que você precisa viver em celibato ou deixar de sair de casa para socializar e se relacionar. Viva feliz e saudável, seja solteiro ou com alguém.”
O estudioso afirma que tão importante quanto fazer esse trabalho interno é se abrir para o entorno. A recomendação é que as pessoas aumentem seu círculo social, baseando-se em uma lógica clara: “Se você está procurando uma pessoa específica, que é sua alma gêmea, quanto mais gente você conhecer, mais chance terá de topar com o que busca. Fale com as pessoas, interaja, converse e, principalmente, ouça sua intuição e instintos”, orienta.
Em tempo, Alon frisa que a existência da alma gêmea não significa que haverá consequências para as pessoas que preferem ser solteiras ou simplesmente não querem encontrar o par espiritualmente ideal. O rabino explica que, como tudo na Cabalá, é sempre a intenção que conta. “A pessoa não quer se relacionar em nome de um objetivo que ela considera maior na vida? Muito bom. Louvável”, comenta. Quase via de regra, porém, ele conta que as pessoas não querem se relacionar e preferem ficar solteiras por estarem feridas, magoadas, traumatizadas. Nesse caso, a decisão não é nada boa, segundo ele. “Essas pessoas estão se privando de uma das forças mais poderosas do mundo – o amor – e deixando de aproveitar uma das maiores dádivas do Universo. Além disso, estão deixando de ter a possibilidade de crescer espiritualmente, já que esse é um dos principais objetivos de nossos relacionamentos – em especial o com a alma gêmea.”
O famoso dedo podre
Ao lembrar que a busca pelo parceiro de alma é uma escolha pessoal e não a única forma de se realizar amorosa e sexualmente, o rabino aborda mais um assunto recorrente para quem já sofreu decepções no campo afetivo: não encontrar a alma gêmea não é e nunca será um tipo de punição ou maldição geracional.
“Para a Cabalá, pessoas que são infelizes no amor – na verdade, em qualquer área da vida – raramente ou nunca estão sendo punidas, mas simplesmente estão elas mesmas fazendo escolhas que estão ‘bloqueando’ aquela área da vida e fechando portas. Não há punições, há escolhas”, enfatiza.
Para sair desse ciclo, ele diz que é preciso parar de se relacionar apenas por carência, aceitando ficar com qualquer pessoa por medo de ficar só. Aprender a peneirar também é imperativo. “Não se trata de achar a pessoa perfeita, afinal, todos temos erros e defeitos. Mas você precisa saber quais defeitos de uma pessoa você absolutamente não tolera e, uma vez decidido, não abrir exceção”, pontua. Na mesma toada, entender que é um erro achar que o outro vai mudar se caracteriza em mais uma forma de eliminar a ideia de que a infelicidade no amor seja um “castigo do Universo”, de acordo com Alon. “Algumas pessoas acreditam que se formos amorosos e pacientes o suficiente, o parceiro irá mudar e se tornar alguém maravilhoso”, exemplifica. “Pare de esperar isso e perceba que, às vezes, o saudável é desistir de certas pessoas ao notar traços negativos de personalidade.”
Atenção à auto-sabotagem
Outro comportamento que pode confundir e dificultar a busca pela alma gêmea é a mania de achar que pessoas boas são “entediantes”. Para o especialista, um passado conturbado muitas vezes nos torna estranhamente intolerantes com a bondade genuína quando ela aparece. “Conhecemos pessoas legais e automaticamente achamos que elas são chatas, pouco sexy e estranhas. Pode ser esquisito falar isso, mas às vezes achamos que certos candidatos em nossa vida são errados porque sabemos que eles não serão capazes de nos infligir o tipo de sofrimento que nos parece ser essencial à nossa ideia de nos sentirmos amados”, ele revela. “Procuramos pelas pessoas que são complicadas e que vão adicionar drama e trauma em nossa vida, enquanto que as pessoas calmas, do bem e gentis são vistas como uma ameaça.”
Por último, o rabino lembra que gostar de si mesmo é fundamental na jornada. “Um dos principais motivos para o ‘dedo podre’ é que não somos nossos amigos e não nos valorizamos”, afirma, destacando que nós aprendemos um “comovente, mas desastroso” modo de altruísmo – pensamos no outro e deixamos de pensar em nós mesmos. “Comece a aprender que você também tem valor e que deve ser tratado como tal. Se uma pessoa não está fazendo isso com você, não leve uma década para perceber o que às vezes pode ser percebido em uma tarde: algumas pessoas simplesmente não valem a pena”, conclui.
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