A pandemia fez com que as relações de trabalho e a prestação de serviços ganhassem novos formatos. E, claro, as sessões de terapia conduzidas por psicólogos também passaram por atualizações. O olho no olho com terapeutas migrou para ambientes digitais. Alguns ainda mantêm esse padrão de atendimento, outros retomaram o contato presencial. Mas quando a terapia envolve crianças, em que o lúdico é um dos principais mecanismos das sessões, qual é a melhor opção? Uma terapia por meio de telas ou em um consultório?
A intensificação da vida digital trouxe oportunidades para a construção de técnicas apropriadas à psicoterapia online com crianças, uma vez que por um considerável tempo o que era impensável se transformou em uma única possibilidade. Ao falar de atendimento psicoterapêutico infantil online a pergunta que fica é: como estar junto, emprestar o corpo, brincar, sem um encontro presencial? O atendimento online seria um caminho viável ou com pouca eficiência?
Para começo de conversa é importante considerar que brincar em um atendimento terapêutico é muito mais do que “uma simples brincadeira”. O brincar no consultório tem a função de integrar partes dissociadas da natureza humana: dentro e fora, realidade externa e interna, razão e afeto, afirma o psicanalista Donald Woods Winnicott em seu livro O Brincar & a Realidade. Não sendo nem da ordem da realidade interna, nem da realidade externa, o brincar se dá entre essas duas realidades, numa zona intermediária denominada espaço potencial.
A psicoterapia, nas palavras de Winnicott, se efetua na sobreposição de duas áreas do brincar, a do paciente e a do terapeuta. A psicoterapia trata de duas pessoas que brincam juntas. Na terapia online onde o brincar não é possível, o trabalho realizado pelo terapeuta não precisa de um espaço físico-presencial, no caso o consultório, para que a psicoterapia aconteça, mas de espaços transicionais, que permitam o trânsito entre mundo interno e mundo externo.
É importante ressaltar que o brincar online não tem a ver com jogos eletrônicos ou afins, mas sim com a possibilidade de propiciar o surgimento de um espaço transicional. O maior desafio na clínica online diz respeito às crianças que têm o brincar comprometido. Nesses casos, a participação da família torna-se imprescindível, uma vez que ela é necessária para promover situações ou objetos que possam criar transicionalidade. Desse modo, pode ser que as sessões tenham que acontecer com a criança e os pais, a criança e um dos pais, a criança e um irmão ou com toda a família.
Com as crianças que têm maior capacidade de brincar, o manejo pode ser ao realizar a brincadeira de forma simultânea, cada um de um lado da tela. Uma vez que “as crianças brincam com mais facilidade quando a outra pessoa pode e está livre para ser brincalhona”, como diz Winnicott em seu livro. Seja o terapeuta ou os pais da criança, precisamos, mais do que nunca, ser criativos!
A clínica online com crianças exige criatividade e disponibilidade para adaptar as técnicas originalmente construídas para as intervenções presenciais. Porém, cabe lembrar que, assim como acontece em atendimentos presenciais, são as crianças que irão ensinar quais técnicas e recursos podem ser aplicadas com eficiência.
Em resumo, a terapia online é um sucesso desde que, de ambos lados da tela, haja adultos disponíveis para oferecer o que as crianças precisam, no momento em que elas precisam.
Texto da psicoterapeuta Helen Mavichian.
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