Todos devem ser analisados. Sem exceção. Desde o jovem que, por não prestar atenção nas aulas e não estudar, até o idoso que vive como se já morto estivesse. Há motivos para todas as análises de todos. Esse é o nosso mundo, brasileiro do primeiro quartel do século XXI. A população urbana supera a rural. Àquela, predominante de classe média, submeter o filho a uma análise é obrigação, sobretudo quando o procedimento foi recomendado por um professor.
E lá vai o garoto ou a garota que não gosta de estudar e que, em nossos tempos, seriam corrigidos com umas palmadas. Na bunda, dói pouco. Mas hoje é um brutal atentado aos direitos humanos. Maltrato, capaz de inspirar algum promotor sem muito expediente contra vocês, pais bárbaros. Se, ainda, não encontrar o profissional certo, será imediatamente classificado em padrões aplicáveis à manada humana, como falaria Nietzsche. Portador de um complexo ou de outro. Herança da tenra infância que insiste em não sair da memória. Introvertido ou extrovertido.
Há gravuras quadradas para todas as espécies. Joãozinho é classificado como introvertido. O profissional lhe explica do que se trata. Não é nada disso, vai mal na escola porque é um poeta, sonha a todo momento. Torna-se um introvertido, assim como um geminiano passa a agir como um geminiano, quando adultos descrevem suas características. É fabricado para o resto da vida. Não era tímido, mas foi tomado pela timidez introjetada em seu vaticínio. Desse modo os profissionais classificatórios destroem a liberdade e a autonomia da consciência e do espírito de muitos.
A mesmíssima tragédia se dá com idosos. Já no aguardo do último momento, têm complexos de morto. Deve reagir e viver, quando seus braços, mãos, dentes e pernas em nada ajudam. Estão carcomidos pelo tempo implacável. Melhor seria que o preparassem para o maravilhoso último momento da passagem terrena. Não faltariam poetas consagrados na literatura mundial que o auxiliassem com versos encorajadores. A morte é uma grande felicidade, quando natural, não abreviada. Finalmente, teremos acesso ao segredo sempre pensado e jamais descoberto. O marco temporal que dá sentido à vida. Se ele não existisse, teríamos motivos para adiar tudo e a sociedade estaria inviabilizada, cercada de zumbis eternos.
Tocamos no mal e não generalizamos injustamente. Há analistas cultos, sábios, experientes, que sabem dar prazer à vida ao superar as circunstâncias adversas do paciente. Falemos, portanto, do bem. Do analista que dá seu ombro amigo para o paciente se acomodar. Não se preocupa com padrões predeterminados e classificações arbitrárias. Interage com a criança, com o homem, muitas vezes padecentes de grandes males físicos e sociais. Sua cultura é apenas um pano de fundo, que estrutura o profissional. Seu objetivo é fundamentalmente pragmático. Tornar, se impossível boa e feliz, no mínimo suportável, a vida do paciente. Não traça seu destino. É a psicologia analítica, é dizer, da análise concreta das condições concretas. Sempre buscando o resgate do eu integral. Do consciente e do inconsciente ou, em outros termos, do mundo exterior e do mundo interior. Com certeza, esse profissional será um firme conhecedor do transcendentalismo kantiano e da filosofia romântica e idealista, das primeiras décadas do século XIX, que plantou raízes na Alemanha e nos Estados Unidos.
Em suma, como sempre, uma moeda de cara e coroa, a análise é uma arte capaz de promover o bem e o mal.
O que não se justifica é sua banalização, sua massificação. O mundo corre e os homens devem ser ensinados a acompanhá-lo, pela transmissão de conhecimento das gerações anteriores e, neste momento, pelo enorme volume de informações à sua disposição. O homem é o homem livre, integral, simples, especulativo e crítico, se possível, mas de bem com a vida. Auxiliar a viver os que precisam é a divina função dos analistas, para o bem daqueles que necessariamente precisam do ombro amigo. E deixar os outros seguirem seu caminho, naturalmente.
Amadeu Roberto Garrido de Paula é Advogado e membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.
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