Muitas foram as conquistas das pessoas na sociedade ocidental através dos séculos, e em especial das mulheres, no que se refere aos relacionamentos.
Já temos o direito de escolher quem vamos namorar, se vamos casar, se vamos ter filhos. Podemos ter não só um, mas vários namorados ao longo dos períodos de experiência, pode-se “ficar” sem maiores compromissos, o homossexualismo e o bissexualismo já não é mais algo impronunciável ou impraticável.
Ou seja, não há mais motivos nem lugar para conservadorismo ou rituais tradicionais e antiquados. Será?
A partir da provocação do Dia dos Namorados, resolvemos colocar em pauta como são e como estão os relacionamentos amorosos nos dias de hoje, em 2010, século 21. Nossa entrevistada da vez foi Ramy Arany, assistente social, terapeuta comportamental, que, entre outras atividades, há mais de seis anos desenvolve um trabalho que tem como objetivo apoiar as mulheres no resgate da consciência do feminino como valor da liderança natural. Ela respondeu a sete perguntas que fizemos a respeito do tema “relacionamentos amorosos”, apresentando a sua análise e ponto de vista sobre o assunto, a partir da sua experiência profissional e pessoal.
Dependência emocional, possessividade e ciúme
Por que se vê, em pleno século 21, relacionamentos entre casais, mesmo os mais jovens, em que imperam a dependência emocional, a possessividade, o ciúme, o medo de ter individualidade e de dar liberdade e espaço para individualidade do outro?
Ramy – Esta questão, na realidade, não está vinculada aos progressos e avanços tecnológicos ou sócio-culturais da humanidade do século XXI, mas, sim, com a evolução da consciência do ser humano. Os conteúdos como dependência emocional, possessividade, ciúme, dentre outros, está vinculado às crenças e aos valores de referências que cada um de nós sustenta como modelos para o nosso comportamento.
Assim, penso que o ser humano de hoje, mudou pouco do ponto de vista emocional, psicológico e da consciência, em relação ao ser humano do século passado, por exemplo. Embora, hoje tenhamos a nossa disposição um maior número de informações e de recursos que nos impulsionam para uma maior maturidade e profundidade como “seres humanos”, ainda existe uma grande resistência de nossa parte para alcançarmos uma maior maturidade emocional. Enquanto houver resistência aos processos de transformações para o crescimento da consciência, nós teremos situações limitadas de relacionamentos nos dando a impressão que estamos vivendo em tempos passados.
Numa época em que conquistamos o direito de nos relacionarmos com quem, quando e como quisermos, não é estranho as pessoas não dizerem que estão namorando enquanto não houver um “pedido oficial” de namoro ou – uma as novidades incompreensíveis dos últimos anos – “uma aliança de compromisso”?
Ramy – Novamente, vemos questões que não estão vinculadas às transformações ocorridas nos costumes que direcionam e regulamentam o comportamento das pessoas, bem como os valores dentro de relacionamentos. Desta forma, é possível nos deparar com situações que trazem o choque entre o passado e o presente. As pessoas estão muito preocupadas com “a imagem” que passam para os outros, por isto ainda é valor sustentar uma aliança que mostre a todos que se é comprometido bem como ainda esperam um “pedido oficial” de namoro à moda antiga para poderem assumir que estão namorando.
Vejo que as mulheres, de forma geral, são as que ainda sentem maior necessidade de sustentarem estes costumes, pois, o tempo passa, os costumes mudam, mas as mulheres ainda esperam que o homem tome a frente da oficialização da relação. Recentemente, escrevi para meu blog sobre a questão da mulher poder ou não pedir o homem em namoro e em seguida fiz uma pesquisa rápida num grupo de mais ou menos cem mulheres, perguntando se a mulher pode pedir um homem em namoro. Para a minha surpresa a maioria respondeu que não, pois achavam que ficaria estranho para a mulher; outras responderam que poder pedir, as mulheres poderiam, mas que elas não tinham coragem. Penso, então, que existe a necessidade de “garantia da imagem” para não “pagar mico” ou ficar por baixo.
Como podemos ver os relacionamentos entre casais do mesmo sexo, em especial entre mulheres? Namorar outra mulher, hoje, é uma alternativa a eventuais traumas de relacionamentos heterossexuais; é a sublimação do amor verdadeiro, do encontro de almas gêmeas em que gênero é apenas um detalhe; ou é um modismo?
Ramy – Esta questão é muito delicada e profunda. Como lido diretamente com mulheres, observo que o universo feminino emocional, sentimental, psicológico, sexual é muito complexo. Para nós mulheres nada é muito simples, pois nossa capacidade de visão vai além do superficial. Penso que as mulheres estão em busca de novas possibilidades de realizações afetivas e sexuais, onde a troca entre mulheres se dá pela busca de maior afinidade. Muitas mulheres já testemunharam que se sentem maior acolhimento, compreensão e segurança através do relacionamento com mulheres, coisa que não sentiam quando se relacionavam com homens.
Existem, também, os casos dos traumas de relacionamentos heterossexuais; abusos sexuais vividos em infância, juventude; situações de violências sexuais dentre outros, que podem despertar a vontade de uma mulher buscar se relacionar sexualmente com outra.
Em relação à questão da alma gêmea, penso que se aplica a uma profunda afinidade entre pessoas que se amam, tendo o termo alma gêmea uma conotação mais romântica, filosófica e espiritual.
A questão de modismo deve, contudo, ser muito observada, pois os meios de comunicação têm divulgado muito o homossexualismo feminino e, isto, pode também estar contribuindo para que haja uma compreensão por parte das mulheres, como sendo algo que tem mais a ver com modismo do que realmente amor verdadeiro.
Isto também é adequado ao universo masculino.
O significado de “namorar” na atualidade
Em tempos em que um casal “fica”, ou seja, se encontra, sai junto, troca carícias e mesmo tem relações sexuais por várias vezes consecutivas e até por várias semanas ou meses – embora não necessariamente com exclusividade – o que significa, hoje, “namorar”?
Ramy – Hoje, penso que namorar significa ter um compromisso sério assumido com o(a) outro(a), onde é necessária a postura de seriedade, fidelidade, comprometimento e possibilidade de casamento. O namoro, que antes era o período para que o casal pudesse se conhecer e, assim, saber se havia amor o suficiente para aprofundarem a relação, hoje acontece foi substituído pelo“ficar”, onde o casal se sente mais livre de qualquer compromisso como o de fidelidade, de ter que cumprir uma agenda para o relacionamento, de aprofundarem a relação e, dessa forma, ser livre para ter outros relacionamentos.
Entendo, ainda, que o casal que não quer nada sério busca ficar, enrolar, curtir e ver o que isto vai dar; o casal que é decidido e certo da escolha, busca namorar, noivar, casar, até mesmo sem cumprir os protocolos exigidos, pois o que realmente importa é a clareza que envolve a relação e os sentimentos.
O namoro nas diferentes fases da vida da mulher
Qual a diferença do significado de “namorar” nas diferentes faixas etárias femininas: pré-adolescência, adolescência, juventude; idade adulta; maturidade; terceira idade?
Ramy – Acho estranho falarmos de namoro em pré-adolescência onde as “meninas” ainda não estão amadurecidas para vivificarem um relacionamento. Penso que nesta idade ainda há a questão da menina vivenciar o universo infantil com o início do despertar da adolescência. O acesso das meninas e dos meninos às mídias, tais como filmes, novelas etc acabam por interferir negativamente, pois incentivam o despertar precoce em relação ao namoro, antecipando o que a vida traz de forma natural. Desta forma, as meninas têm como referência o que veem, o que escutam e não o que realmente a maturidade desperta de forma natural sobre a consciência do amor.
No ciclo da adolescência já existe a questão do despertar para o namoro por meio da vontade e da curiosidade de saber como são as sensações emocionais, físicas e sexuais que o contato com o outro desperta. Penso que ainda não há uma ideia profunda sobre relacionamento, comprometimento e consciência sobre o cuidar de si mesma em relação ao corpo e a possibilidade de uma gravidez. Também neste ciclo há uma interferência das mídias acima já citadas, despertando as meninas para comportamentos que envolvem maior responsabilidade. Ainda é superficial a consciência sobre o que é realmente amor e comprometimento na relação.
No ciclo da juventude, as jovens de hoje não estão preocupadas em namorar, ou terem compromissos mais sérios. Hoje, observa-se uma tendência de se relacionarem sem a obrigatoriedade de maiores responsabilidades. As jovens pensam em estudar, em fazer uma carreira e, assim, querem maior tempo e liberdade para se prepararem para um futuro. Neste ciclo já existe maior maturidade para observarem conteúdos mais essenciais sobre o amor e sobre relacionamento.
Na idade adulta, a mulher já se encontra mais consciente e preparada, o que faz com que ela não se iluda mais em relação à especulação sobre o namoro. Neste ciclo, a mulher já passou por experiências anteriores que lhe servem como base para ser clara perante seus valores e suas escolhas. O tempo da superficialidade já passou e a mulher está pronta para se comprometer verdadeiramente com a relação e pensa seriamente em construir seu lar junto a um companheiro.
Na maturidade, a mulher já vive suas escolhas, já teve o tempo de pensar somente em estudo, profissão, carreira e com certeza namorar neste ciclo é no sentido de realmente ter um companheiro para a realização de sua vida amorosa. É um tempo em que a mulher tende a pensar na maternidade pela questão da idade. Nesta época, a mulher tem a maturidade, a visão e o pé no chão em relação ao namoro e o sentido essencial do amor.
Na terceira idade, a mulher se encontra bem lúcida sobre o namoro e clara na certeza de que quer um companheiro para viver a vida de forma preenchida, alegre, feliz e leve. Neste ciclo, a mulher sustenta outros valores de referências, com os quais focaliza o essencial e o profundo na relação, pois o superficial ela já viveu nos ciclos passados.
Tudo, porém, depende de cada “ser” mulher, do conjunto de crenças e de valores, da educação e da cultura que envolve cada uma. Desta forma, tudo pode ser muito relativo dependendo destas condições
Namoro entre casais juntos há bastante tempo
Casais que estão casados há mais de 10, 15, 20 anos, também querem, gostam, podem ou devem namorar?
Ramy – Com certeza, o namoro é também para casais já estabelecidos na relação, pois é parte dela. O namorar tem a ver com o relacionamento em todos os ciclos da vida de um casal e também é uma forma de manifestar o amor que um sente pelo outro. Portanto, os casais que querem, que gostam, que podem ou que acham que devem namorar têm todo o direito de namorarem, pois namorar é trocar sentimentos, emoções, palavras e ações.
Você também comemora do Dia dos Namorados? Se sim, por que e como? Se não por quê?
Ramy – Meu marido e eu não comemoramos a data específica do Dia dos Namorados. Isto entre nós é natural, pois nós dois pensamos da mesma forma em relação a isto. Não sentimos necessidade de comemoração específica ou de troca de presentes. Caso eu pensasse diferente, ele com certeza comemoraria a data. Eu faria a mesma coisa se fosse o contrário.
Penso que é assim que as coisas devem acontecer no relacionamento, um buscar complementar o outro e ambos construírem a relação no dia-a-dia. Assim, todos os dias são momentos para comemorarmos o amor e o companheirismo. Entendo que hoje, o sentido verdadeiro de “namorados” está bastante distante de sua essência e, por isto, deveria ser um dia de profunda observação interna para a melhoria da relação.
E você, que leu até aqui, o que pensa sobre essas questões?
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1 Comentário
Gostei muito do conteúdo posto nessa área da vida amorosa, hoje acredito que namoro foi trocado com “fica ou vive de pequeno momentos sem ter neum compromisso. Isso me deixa triste mas é o que tem acontecido no século XXI.
Boa noite