A demência é uma síndrome que pode ocorrer ao longo do tempo e está associada a diversos fatores, como progressão da idade e genética. No entanto, um estudo recente realizado por pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Washington e publicado na revista científica Biological Psychiatry: Global Open Science, trouxe novas evidências sobre a relação entre o tabagismo e o risco da condição.
A pesquisa indica que fumar afeta diretamente a estrutura cerebral e intensifica o estresse oxidativo e a inflamação crônica, fatores que desempenham papéis fundamentais na patogênese do Alzheimer, que, em geral, acomete idosos com mais de 65 anos, aponta Alessandra Rascovski, endocrinologista e diretora clínica da Atma Soma. “A exposição constante às toxinas presentes no cigarro afeta a integridade dos vasos sanguíneos e contribui para a aterosclerose, reduzindo o fluxo sanguíneo cerebral e, consequentemente, comprometendo a nutrição e o oxigênio necessários para o funcionamento adequado do cérebro”.
No cenário global, segundo informações da Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 50 milhões de pessoas vivem com demência no mundo e a estimativa é chegar a 150 milhões em 2025. No Brasil, mais de 1,76 milhão de brasileiros com mais de 60 anos convivem com o Alzheimer, com a previsão de chegar até 5,5 milhões em 2050 – dados da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas).
De acordo com Delane Schapira Wajman Goldbach, endocrinologista, o tabagismo também pode influenciar negativamente os níveis hormonais, como o cortisol, que em excesso está ligado a alterações no hipocampo, a região do cérebro associada à memória e aprendizado.
No entanto, a boa notícia trazida por esta pesquisa é que, mesmo após décadas de exposição aos efeitos nocivos do cigarro, o risco de demência pode ser mitigado pela interrupção do tabagismo, independentemente da idade em que isso ocorre. “O cérebro possui uma notável capacidade de recuperação, e remover o tabaco da equação permite que os processos de regeneração se tornem mais efetivos”, relata Delane.
Segundo dados do Vigitel 2023, o percentual total de fumantes com 18 anos ou mais no Brasil é de 9,3%, sendo 10,2% entre homens e 7,2% entre mulheres. Diante desses dados, Wajman reforça a importância de conscientizar jovens e adolescentes sobre o impacto do tabagismo também na saúde cerebral, especialmente considerando que o número de usuários de cigarro eletrônico quadruplicou no país em quatro anos, saltando de 500 mil em 2018 para 2,2 milhões em 2022, de acordo com o Instituto de Pesquisa e Consultoria Estratégica (IPEC).
“A adolescência é o período em que muitas pessoas iniciam esse hábito prejudicial, o que pode ter consequências duradouras para a saúde cerebral e geral, refletindo a urgência de estratégias de prevenção voltadas para esse público”, alerta Alessandra Rascovski.
Um estudo, publicado na revista acadêmica Nature em 2023, trouxe à tona evidências preocupantes sobre os efeitos do tabagismo na saúde cerebral de adolescentes e revelou que o hábito de fumar pode resultar em uma diminuição significativa da massa cinzenta do cérebro, “uma área responsável por processar informações, controlar funções motoras, e desempenhar um papel importante nas atividades cognitivas, como memória, raciocínio, tomada de decisões e controle emocional”, explica a diretora clínica.
Principais fatores de risco para a demência
Síndrome caracterizada pelo declínio progressivo da função cognitiva, a demência afeta milhões de pessoas em todo o mundo e identificar as causas principais é primordial para promover a conscientização e incentivar a prevenção precoce. O envelhecimento é o fator de risco mais significativo; embora a demência não seja uma consequência inevitável da idade, a prevalência aumenta drasticamente após os 65 anos, dobrando a cada cinco anos subsequentes, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
A endocrinologista Delane Wajman, informa ainda que o histórico familiar e a genética são fatores igualmente importantes. “Ter parentes próximos diagnosticados com demência pode aumentar as chances de desenvolver a condição, e genes como o APOE-e4 estão associados a um risco mais elevado de Alzheimer”.
Condições como diabetes tipo 2 e colesterol alto podem causar danos aos vasos sanguíneos e comprometer a circulação cerebral, aumentando o risco de demência vascular e outras formas de demência. Além disso, adotar um estilo de vida saudável é amplamente recomendado. “Práticas como o sedentarismo, uma dieta deficiente em nutrientes e o consumo excessivo de álcool também podem elevar esse risco. Já o tabagismo, por sua vez, está associado à redução da oxigenação do cérebro, o que pode acelerar o declínio cognitivo.”
Benefícios de parar de fumar
A cessação do tabagismo é uma decisão que traz uma série de vantagens em qualquer fase da vida. Embora muitos ainda associam a ideia de parar a jovens tentando evitar a dependência, a verdade é que qualquer momento é propício para abandonar o hábito.
Abaixo, Alessandra Rascovski destaca os 5 benefícios de parar de fumar:
Prevenção da demência: cada vez mais estudos têm mostrado que fumar está ligado a um aumento do risco de demência, incluindo a doença de Alzheimer, em comparação com não fumantes. “Ao parar de fumar, a probabilidade de desenvolver essas condições diminui significativamente, mesmo em idades mais avançadas”.
Redução de riscos de doenças: abandonar o hábito de fumar está diretamente ligado a diversas outras doenças, como câncer de pulmão, doenças cardíacas e derrames. Segundo estudos, cinco anos após parar, o risco de ter um derrame é semelhante ao de um não fumante.
Melhora a qualidade de vida: parar de fumar não apenas prolonga, mas também melhora a qualidade de vida. Os não fumantes tendem a ter mais energia, melhores capacidades respiratórias e uma sensação geral de bem-estar. Isso se traduz em uma vida mais ativa e produtiva, permitindo desfrutar de atividades e relacionamentos de forma mais plena.
Envelhecimento saudável: o tabagismo está associado ao envelhecimento precoce da pele, manchas e rugas. Ao deixar o cigarro, é possível reverter alguns desses danos, resultando em uma pele mais saudável.
Regulação do metabolismo e peso: muitos tabagistas temem ganhar peso ao parar de fumar. No entanto, segundo a endocrinologista, com o suporte adequado, a regulação do metabolismo pode ser alcançada. Essa interrupção muitas vezes leva a hábitos alimentares mais saudáveis e a um estilo de vida mais ativo, promovendo um equilíbrio metabólico que beneficia a saúde a longo prazo.
Contudo, Rascovski reforça que “planos de cessação eficazes combinam intervenções psicológicas, apoio de grupos e, se necessário, medicamentos específicos. Cada passo para abandonar o tabagismo traz benefícios não apenas para a saúde geral, mas para o cérebro, o que é particularmente relevante para quem deseja envelhecer de forma saudável e preservar a cognição”.
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